domingo, 12 de julho de 2009

Galo


A mobilidade é restrita pelo calcanhar a partir do momento em que uma mão desconhecida o puxa pela cabeça. A única reclamação é o choro que eles dizem ser primordial para a vida. Se você está aqui, como qualquer idiota, você chorou.

E se houve alguma ligação fraterna, ela foi cortada. Anos mais tarde, o hospício fez questão de podar a simbolização. O que se encontra são gritos por ajuda enlatados nas retinas das outras vítimas dessa tortura chamada mentira. Vadiagem e fidalguia se baseiam no mesmo conceito de mentira, apartados por direção. Vadio mente para os outros; fidalgo, para si mesmo.

Quando saí do hospício encontrei um galo cantando; e bombas ecoaram nas nuvens. Coloquei em prática tudo que aprendi: levei a mão à cabeça, encolhi o corpo e despistei obstáculos.

Um profeta na esquina cantava que há algo que não se pode enganar; e há algo que nos espera quando não há de se esperar. Então, essas datas premeditadas são falsas. Descobrir mentiras prontas é fácil; difícil é saber onde não encontrá-las.

Os olhos petrificados de um galo eu vi, certa manhã, quando saí do hospício, e ele cantou. Bombas ecoaram nas nuvens.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Legítima Defesa


Saindo do serviço depois de um dia estressante
Pego o primeiro ônibus em direção ao centro
O ônibus voa como uma barata ambulante
Rumando cada vez mais pelo esgoto adentro

Uma parada, pego outro ônibus
Não presto atenção, só se que sigo a viagem
Passo pelo córrego, não presto atenção
Só sei que sinto o odor humano daqui da margem

Chego ao terminal, começo a caminhada
Só penso em chegar em casa, poder banhar
Poder descansar, assistir ao noticiário local
Mas não imaginava que antes seria parado
Por uma viatura policial

Plantaram um revolver na minha pasta
E me acusaram de assalto
Eu disse: “Mas eu só estava trabalhando”
O soldado riu e respondeu:
“Nós também estamos”

Fui interrogado e autuado
Ameaça a integridade física
Ou seja:
Fui morto em legítima defesa

terça-feira, 7 de julho de 2009

Clemência


Ajoelhou-se, fechou os olhos, juntou as mãos. Esqueceu-se dos tormentos e entrou na janela dos olhos de quem não vê. Guardou as perguntas que sustentaram o massacre e se entregou.

Fez a renúncia e sentiu a chuva chovendo. Contorceu-se e não pediu nada. Olhou as mãos e viu decadência. Cortou o pulso e sentiu dor. Abraçou as sandálias do mestre e sentiu a mão pousando na sua cabeça. A língua dançou, a alma chorou e o veneno virou pedra. Pagou pela agonia que causou. Sentiu sede e os joelhos derretendo; extirpou os desejos.

Levantou a cabeça e viu os olhos dourados. Pediu clemência.

sábado, 4 de julho de 2009

Depois da Sete


Você quer saber o que faço quando acordo
Depois de dormir o dia inteiro
Eu lhe digo: eu não sei
O que faço primeiro

Expressões são movimentos faciais
Gestos são expressões canibais

Quando acordo, olho o espelho
Vejo pares corando de medo
E recordo tudo que disse que lembraria jamais

Mas me esqueço do mais importante
Das lembranças gravadas na instante
Das particularidades de uma mente ignorante

Tomo banho, visto a roupa.
E arranho a voz rouca
De sono permanente

Já não me lembro do dia quente
Que partiu depois da sete.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

A Um Amigo de Guerra

Um grande amigo de guerra comemora um feito de longevidade hoje. Várias batalhas travadas neste campo astucioso. Perdemos algumas, é verdade. Perdemos várias, a maioria, na grande realidade. Mas a maior de todas continuamos vencendo: mesmo que percamos a moral diariamente, tomando tapas na cara, estamos sobrevivendo. E isso é o mais importante em qualquer guerra, porque este é o objetivo de qualquer guerra.

Há golpes mais dolorosos que outros. O que mais dói é aquele que vem de um irmão de guerra. Eu esbofeteei a cara do meu companheiro de guerra, sem remorsos. E aprendi a lição mais primorosa que se pode aprender em uma guerra: não há golpe para o qual não exista um revide.

E depois do contragolpe, eu me levantei, abracei o meu amigo e pedi desculpas. Estamos juntos outra vez e, como sempre, descobrindo campos de batalha cada vez mais tenebrosos. E um dia cairemos – juntos, é claro –, mas antes daremos um tapa surdo no monstro que nos vencerá.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Drama


É indescritivelmente quente. Um suco gelado cairia bem. Ainda mais sentado numa so1bra. Só de pensar, a boca umedeceu. E assim aconteceu. Pediu um suco e de pronto entregou a nota. Logo veio um suco de acerola, que descido pela garganta, fez a cabeça doer, de tão gelado. Mesmo assim, ficou satisfeito; estava regando o deserto do seu bucho.
 
Bebeu meio litro de suco numa única golada. Quando terminou lambeu os lábios, mas foi interrompido por uma abelha que pousou na ponta do nariz. Afanou com as mãos; o inseto circulou e voltou a pousar na ponta do nariz. Deu um tapa no nariz; os olhos umedeceram e a abelha voltou a pousar no mesmo lugar. Fungou. Não adiantou. Fungou de novo, agora com mais força; o inseto voou para cima e a secreção escorreu para baixo. Uma jovem bela assistia o drama. Até então sorria, mas ao ver a última cena, fez cara de asco.

Duas gotas de suor correram da testa do fadigado. Novamente a abelha estava pousada na ponta do nariz. Permaneceu imóvel, no intuito do inseto perder a graça e abandonar a brincadeira. A abelha começou a andar pelo nariz. Sacudiu a cabeça e em frações de segundos aquele animal demoníaco pousou novamente no nariz. Sentiu calor. A camisa pregou-lhe nas costas. Os sapatos sufocaram os pés.

Estava com a boca entreaberta quando a abelha pousou nos lábios. Num gesto ligeiro abocanhou-a. Ela se debateu nas bochechas por alguns instantes. Parou. Sentiu-se aliviado. Foi interrompido pela ferroada na língua. Instintivamente abriu a boca e a abelha partiu. Afogou o gemido de dor e notou que havia inchado. Mas pensou consigo mesmo que abelhas vão embora depois de agredir. Foi interrompido por zunidos no ouvido. Instintivamente tapou o ouvido. Com receio de outra picada, deixou a abelha sair; que caprichosamente pousou na ponta do nariz.

Engoliu um amargo de aflição. Lembrou-se dos caipiras que usavam insetos voadores como desculpa para justificar o vício do fumo. Sendo assim, acendeu um cigarro. O bicho voou e pousou no cigarro. Tragou com força, na esperança de queimá-la. Quando ia, voltou para o nariz. Continuou fumando e a abelha saiu. Terminou o cigarro e ela voltou.

Balançava a cabeça e ela saia; parava e ela voltava. Sentiu vontade de chorar. Em pensamentos, reclamou da vida pobre que levava, do fracasso intelectual, por não ter família, por duvidar de Deus. Sentiu vontade de morrer, quando enfim uma lágrima escorreu do olho.

Fechou o semblante, e com a astúcia de uma cascavel escorregou o braço para o bolso da calça. E com a fúria de uma águia, levou o isqueiro até o nariz. Ouviu o tilintar agoniante da abelha se queimando. Sentiu o ardor agudo no nariz. Mas ao menos matara o inseto. Olhou o relógio; era hora de voltar ao serviço. Atravessou a rua e foi.

Um companheiro surgiu e quando o olhou, sorriu, dizendo:

-  Bastava me dizer, meu chapa. Não era preciso fazer bico no semáforo. Mas já que quis, nariz de palhaço é vermelho, não roxo.

Abaixou a cabeça para achar uma pedra e tirar o sorriso daquele desgraçado. Ao invés disso, pegou as ferramentas no chão e começou a trabalhar. O outro ainda ria, chamando um colega para ver aquele nariz.

Ao menos matara a abelha, pensou.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Correntes


As vezes há um círculo que me prende
Tranca tudo que tenho em mim mesmo
Apenas sinto que é algo que tende
A me jogar a esmo

Sinto que sou aleijado de entranhas
Incapaz de compreender aquilo que não entendo
Mas vejo sensibilidade em coisas estranhas
Só não sei mais o que estou querendo

Minha cabeça me limita
Meu pensamento é minha cadeia

Celas, grades
Selam a paz
E a liberdade?

domingo, 21 de junho de 2009

Enfeites

O vento é gélido. As cortinas esvoaçam como os cabelos da madame que se prepara para o baile. A selvageria é a mesma: a da madame em ser aceita e desejada esta noite e a do vento em fazer seu serviço de coadjuvante sinistro e aterrorizador, também esta noite. As chamas das velas se cedem ao charme animalesco do vento; a consumação acompanha os orgasmos múltiplos de anseios da madame para esta noite.

Mas esta noite só queremos um pouco de música para os elementos poder dançar. Helmo afinou as duas cordas mais finas do violão, lançou dois ou três acordes que mesclaram ao vento. Tomou um gole vistoso da bebida anil.

[...]

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Carolina


Carolina se prepara para sair
Ficou enfurnada em casa o dia inteiro
Está cansada e pensa em se distrair
Não sabe direito o que fará primeiro
Tira a roupa e entra no banheiro
Não sei se é certo, mas vou contar
Sobre o primeiro dia que vi Carolina
Esperei o pai dela sair para fumar
E entrei na casa daquela menina
Não a conhecia direito, apenas uns rumores
Que ela saía a noite para tomar cerveja
Com um rapaz que sempre lhe dava flores
Então a vi sentada sobre a mesa
Abotoando os laços dos cabelos
Vi de perfil sua boca cor de cereja
Devo ter sentindo um pouco de receio
Mas creio no íntimo que foi medo
Ou algum impulso nas pontas dos dedos
Não sei se é certo, mas vou contar
Sobre a primeira vez que Carolina me olhou
Eu me colei na parede sem poder notar
Que atrás de mim havia um bangalô
E era uma dessas noites de luar
De verão, que faz certo calor
Talvez seja por isso eu estava vermelho
Foi quando Carolina me olhou
Procurando na verdade um espelho
Ela se espantou, sorriu e perguntou o meu nome
Balbuciei qualquer palavra, sem jeito
E ela entendida, perguntou se eu estava com fome
Disse que sim, e ela me ofereceu uma cadeira
Não sei se é certo, mas vou contar
Sobre a primeira vez que vi Carolina

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Purificação

O alumínio do sol brilha essa cidade convertida em papelão de rua. O mesmo papelão que os homens descartam sem hesitar. Os mesmos homens que descartam os afetos que a terra entregou.

Hoje eu vi o vento varrendo da cidade tudo isso que os homens têm, mas que as vistas não distinguem. Vi no dedo de um velho um anel de diamante sugando tudo que o vento carregou.

Ele olhou o céu cinza de decepção e sorriu, porque o olho do sol sangrava uma fonte de água límpida, que é para limpar toda água doente que brota no coração dos homens.

A terra engoliu todo o papelão dessa selva de zinco apodrecido no tétano. E tudo que vi em seguida foram borboletas invadindo apartamentos, bares e cinemas.

domingo, 14 de junho de 2009

Quarto Esbranquiçado


No quarto esbranquiçado, cortinas negras, as estações morrem
Os pastos florescem, pavimentos de asfaltos, grudam no chão
E as crianças, quem será que as socorrem?
Cavalos de prata, nascem flores, aonde eles pisam

Cavalgaram sobre minha cabeça
Oh... Agora, outra coisa, esqueça

Tem flores na minha cabeça
E isso é tudo.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Porcos


Meu pai me disse certa vez: “Os porcos comem tudo que você imagina”. Soou aquele silêncio reflexivo por instantes. “Até bosta?” Questionei. “Sim, até bosta”. “Nossa, porco então... é um animal tão porco. Ouvi a resposta do meu pai: “por isso porco é conhecido por porco”.

Meu pai, hoje um velho, fora um lenhador desde a juventude. Lenhava árvores de dimensões inexistentes nos tempos singulares de hoje. Trabalhava sozinho na construção de uma canoa que ele mesmo desenhara, escaldando troncos numa matinha fechada perto da fazendo que vivia.

Em meio aos dias plurais, houve um especialmente particular. O dia ardia no extremo colosso do calor tropical, e o cansaço sugava o velho de cima para baixo. A fadiga o instigava a jogar o machado no chão e sentar. Punhos dormentes, pernas bambas e consciência bêbada. Olhou sua sombra e notou que ainda estava no primeiro quarto do dia bravo. Parou para tomar o chá de coca e olhou o sol severo. Neste instante, ouviu um sussurro: “caia desgraçado”, acompanhado de um baque nos pulmões.

Respirou fundo, inclinou o corpo para frente, tosse rouca e seca; segurou o machado com firmeza e estalou duas, três, cinco vezes. Ouviu um sorriso tímido. Ignorou e continuou a labuta. Uma rolinha pousou na sua sombra e bicou o chão. O velho parou, olhou para trás e viu o pássaro sair voando.

Percebeu as mãos trêmulas, ignorou, e derrubou a árvore. Continuou o serviço. Viu a mesma rolinha estática em outra árvore e sua boca salivou. Saliva quente. Ignorou e trabalhou brutalmente por horas consecutivas, ouvindo de vez ou outra um sorriso infantil, progredindo para o sarcástico.

O machado caiu da mão. Tentou pegar e não conseguiu; o corpo inteiro tremia. Olhou o sol severo e resolveu parar para refeição. Saiu da matinha se arrastando e sentou no banco ao lado da pocilga. Não conseguia comer. Com dificuldades acendeu o fumo e tragou. Começou a transpirar um suor denso e sentiu o mundo girar. Ouviu sons estrebuchados, estranhos. Ouviu os porcos grunhidos no meio da alucinação. Olhou para trás e viu os suínos comerem sua sombra. Os olhos semicerrados se esbugalharam. Um grito agudo esgueirou-se. Soou um silêncio reflexivo por instantes. O velho suspirou e se sentiu saudável.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Desinibida


Voltas pelo parque, a garota anda desinibida
Conversando Paul Sartre, sobre os limites da vida
Estranha os objetos estranhos
São só ovelhas do rebanho
Observa a roda gigante
Apostando aonde irá parar
Lembra de quando foi amante
E sente vontade de descansar

Talvez seja cedo, mas é cedo que mistifica
Não existe medo, só uma vontade desinibida
Um passo a mais não machucará
Apenas a fará lembrar
Dos muros do seu parque
Que fez questão de escalar
E mostrar a sua arte

Voltas pelo parque, a garota anda desinibida

sábado, 6 de junho de 2009

Viagem Urbana


Onze e meia da manhã, hora do almoço. Arroz, feijão, carne, rúcula, tomate e suco forte de tamarindo. Como rápido, já estou atrasado. Banho gelado de alguns minutos, dentes escovados em instantes. Visto a roupa e parto com a mochila de guerra nas costas. Vinte minutos de caminhada sob o calor escaldante do sol a pino do cerrado brasileiro, na estação da seca. Seca está minha boca, como ameixa.

O ônibus está cheio, mas no fundo há espaços. Encolho o corpo e caminho atropelando pernas; "Passageiros idiotas que não sabem andar de ônibus". Viagem longa, tão longa quanto a espera no ponto.

Chego ao centro e no céu o sol brilha, soberano. Há de se fazer uns 40 graus neste instante. O ponto é de zinco, e mesmo na sombra acredito estar em uma estufa ao ar livre. O golpe de misericórdia é saber que pagamos por esse sofrimento.

A linha 018 para e eu entro. Agora sim o verdadeiro espetáculo começa. Consigo contar 32 pessoas em pé. O ônibus está lotado e não para de entrar gente. Não se distingue mais o calor solar do calor humano. Todos se estorricam; ambiente abafado. O motorista, atrasado e apressado, faz curvas fechadas em altas velocidades. Nos debatemos como leitões em caçambas de caminhões. Lembro novamente que todos pagam por essa viagem; me desperto dos pensamentos ao ver chegando, no ponto que o motorista acabara de parar, um rapaz que estuda na mesma classe que eu. Pobre coitado, perderá a aula.

A viagem segue, minha barba me pinica; minha camiseta está pregada nas costas. Não se respira ar naquele ambiente, apenas calor; e o odor fétido do alho que uma velha carrega.

Enfim, chego ao fim da minha viagem. Com dificuldade desço do ônibus, arrastando comigo a mochila de guerra. Logo atrás tem outro ônibus, este vazio, que para para descer o rapaz que estuda comigo. É duro saber que a alguns metros atrás de você não havia sofrimento. É difícil aceitar sofrer sozinho. Mas não penso muito, preciso ir ao banheiro, o tamarindo fizera efeito. Além de tudo, mais essa.

Subo as escadas, em direção à sala de aula; aliviado. Todo mal já passara; perdi metade da aula com essa guerra chamada pegar ônibus, mas ainda há tempo para aprender alguma coisa.

Abro a porta e todos procuram o professor em mim, enquanto procuro o professor na sala.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Elas e Eu


Então elas chegam. A de lá com uma expressão de lágrimas recém caídas; de um rosto que propõe uma feição diferente da que a impressão causa. Mas fatos são sempre minuciosos. De nada vale a generalidade das impressões.

Elas sentam, em um único acento. Fatos são fatos; e eu me lembro, orgulhoso, da minha ideia anterior. Uma no colo da outra. Todos olham desconfiados. Em instantes a desconfiança se torna espanto. “O que é isso?” “Não é possível”; é o que consigo ouvir dos cochichos. Já os veteranos daquele ambiente não se espantam mais; já se acostumaram. Apenas o novo causa espanto. Depois que deixa de ser novidade, se torna rotina. E depois tédio. Acredito que é assim, pelo que já vivi. Tédio corrói.

E é o que sinto agora: um belo tédio desafinado.

Faz calor e eu olho, observando. Lembro-me de quando tomei o ônibus para vir até aqui. Até os transeuntes dos coletivos são os mesmos; nos mesmos horários.

Volto da minha divagação; a primeira passa a mão nas costas, por dentro da blusa, da outra. “O que é isso?” “Sutiã.” “Aquele que lhe dei?” “Não...” “Para, amor!” Amor? Alguns olham, outros não. Mas todos fingiram não ouvir. Inclusive eu.

As duas são belas, e eu encaro a segunda, a feminina. Apenas para irritar a primeira. Procuro o vinco dos ciumentos no rosto dela. Elas mudam de cadeira; se sentam de costas para mim.

“Você não faz parte deste mundo”. É, não faço. Mas temos gostos em comum.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Cotidiano


Um milhão de pessoas cruzam por você todos os dias
E lhe assassina com o mesmo olhar lombriguento
E você é apenas mais um maníaco dessa mania
Apenas mais um homem de terra e de cimento

É como aquela velha brincadeira de assassinar
As crianças jogam com um piscar
Mas você pisca um milhão de vezes todos os dias
Pisca até mesmo para a mulher da sua vida

sábado, 30 de maio de 2009

Blues da Loucura


Ser ético significa processar pelas vísceras
E quando o poeta esmaga o processo
O que sobra é o resto

O resto do previsível
Jamais será risível
O que eu digo para você, querida
É que a loucura é o exceto

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O Profissional


Você acha que é pelo dinheiro. Ter dinheiro é muito bom, com ele eu posso comprar tudo. Com ele eu me sinto um senhor feudal rodeado de servos. Ser senhor nesse século é melhor do que séculos atrás e sabe por quê? Por que os servos de hoje bajulam, além de tudo. Bajulação é algo que apenas o dinheiro compra. Com certeza eu não seria feliz sem o dinheiro; sem minha piscina aos domingos à tarde, sem minha sauna às quintas à noite, sem minhas bebidas finas. Eu se quer seria generoso, se não fosse o dinheiro.

Mas você pode me perguntar sobre a fama. Bem, é claro que eu não faço o meu trabalho apenas pelo dinheiro. Eu também adoro a fama. É uma necessidade ter os meus 15 minutos de fama. Nesse mundo no qual vivemos é inútil sonhar com um autorretrato que envelheça por nós. Não! Podemos ser capas de revistas. As revistas elegem, em suas capas, os novos príncipes do mundo contemporâneo. É o sucesso que me entrega os convites para participações especiais nos cinemas. Para ser sincero com você, é o meu sucesso que seduz as atrizes glamorosas que eu transo. Sou um grande colecionador de transas com mulheres famosas. Isso, é claro, me envaidece. Transar, graças ao dinheiro, com ninfetas fantásticas; gastar milhares em joias legítimas com essas vagabundas é bom. É algo apenas para os poderosos. Mas foder a coelhinha do mês ou a musa da novela das nove é algo apenas para os magníficos.

Isso tudo que eu disse até agora pode ser o suficiente para responder o porquê eu trabalhar com o que trabalho. O luxo, a vaidade, e até mesmo a arrogância, só não são tão sórdidos para aqueles que não possuem. Mas irei lhe perguntar: você gosta de apostas? De jogar? O jogo é a brincadeira dos riscos. Apostar todo o dinheiro batalhado, o sustento de uma família em uma partida, em um cavalo, em uma simples carta. O desejo do perigo, do tudo ou nada, fulmina em nossas entranhas. Eu adoro, sou viciado nisso! Diz se não é gostoso olhar os olhos arregalados de espanto das pessoas em volta? A confiança amedronta as pessoas, e eu me sinto exuberante assim.

Contar-lhe-ei um segredo agora, o porquê, verdadeiro, que escolhi essa profissão. Melhor do que jogar com dados ou cartas é jogar com a vida das pessoas. Perder não passa a ser apenas perder dinheiro, torna-se destruir vidas. No tribunal há uma pessoa que é o centro das atenções e eu sou o único que aposto ao seu favor; sou o único que faz apostas na probabilidade desvalorizada. A arte do meu ofício é nadar contra a maré. Defendo assassinos natos e jogo tão bem que no final da partida ele não é mais culpado. Torna-se vítima do sistema; o mesmo sistema que tenho como vítima preferida.
Eu sou um advogado. Eu nunca perco. Sou um jogador vibrante que embriaga a sociedade com uma jogada esplêndida, isto é, com uma retórica esplêndida.

É claro que tudo isso é bobagem. Tornei-me advogado pela justiça. Ofereço-me para defender aquele é acusado porque acredito que as pessoas nascem boas. Os meios que fazem as pessoas tomar ações impensadas. Essa pessoa, frágil que é, não precisa, como não deve, ser privada. É necessário meios para que ela se inclua na sociedade, contribuindo com a melhoria do bem estar comum. Acredito que todos que sentam no banco dos réus são inocentes até que se provem o contrário. O meu trabalho é apenas materializar esse conceito, e demonstrar claramente para a sociedade.

O ser humano é essencialmente bom.

Publique uma única palavra de tudo que acabei de lhe dizer e lhe mostrarei o homem da sociedade.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Navegador Confuso


Adorador das suas coxas
Minha cabeça desliza feito parafuso
Sua libido é diferente das outras
Sua cama me faz navegar para outro mundo

Sonhos perdidos, com faces estranhas
Eu digo o meu nome ao seu ouvido
Com afinco monto suas entranhas
Sou iludido, enquanto você, um anjo perdido

terça-feira, 19 de maio de 2009

Observação de um Passageiro


Ônibus é sempre interessante e cansativo ao mesmo tempo. O que o torna mais interessante que cansativo é a disposição do passageiro. Bem certo que quanto maior for o espírito do usuário, menor serão as chances de haver disposição para andar de ônibus. Afinal, ônibus é um bueiro ambulante: abafado, apertado e fedorento.

Ando de ônibus todos os dias; a maioria deles, lotados. As vezes consigo sentar em algum banco suado. O fato que quero contar aconteceu em um dia que eu estava sentado. Sentar é um luxo, mesmo quando espremido por uma gorducha que ocupava três quartos de um banco duplo; maneira pela qual estava eu acomodado, naquela estufa de salgados podres, denominada "transporte" público, naquele dia em que até mesmo os prédios derretiam de calor.

Quero fazer mais uma ponderação. No meu entendimento, pessoas de espíritos fracos gostam de andar de ônibus. Se sentem os donos da ratoeira, embora não passam de ratos. No dia do qual narro, eu prestava atenção na arrogância de uma senhora ao reclamar da arrogância dos passageiros. O sol queimava a minha cara e as palavras da velha queimavam os meus ouvidos. Fechei os olhos e me concentrei no banco claustrofóbico que eu estava sentado. Um grito de alma penada me despertou dos ranços escuros de minha mente.

domingo, 17 de maio de 2009

Imagens ao Pé da Cadeira


As vezes você quer algo de qualquer jeito
E então cria fantasmas aos seus meios
Buscando sempre alcançar algum efeito
Para acabar com as dúvidas que lhe atormenta

Você se acomoda na primeira cadeira
Procura nos bolsos o seu isqueiro
Olha os outros e ela da mesma maneira
Buscando em seus olhos algum letreiro
Que a faça sentir a única e primeira

Você procura um buraco num pequeno espaço
Evita sons surdos que rangem num único minuto
Mas não cansa de olhar os seus braços
E imaginar cenas de um breve futuro

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Poção Estranha


- Aceita um drinque?

- Não posso deixar alguém a sós com um drinque, não é mesmo?

- Eu entenderia como uma desfeita

- Pois bem, o que tem para me oferecer?

- Uma poção... Estranha.

E então eu bebi aquilo que mata tudo que está dentro de mim. Ela é uma bruxa, cheia de problemas, com uma melancolia elétrica. Ela desce fervendo de paixão por mim. Por mim.

- O que você vai fazer?

- Sobre?

Ela se apega em mim, como se eu fosse uma cola. Sou um anestésico. Desconfio que ela tenha vontade de se grudar em mim. Sinto os raios de sol invadindo minha garganta.

- Esqueci de perguntar se posso falar sobre esse assunto contigo.

- Claro que pode.

- Pois bem, semana passada ela me contou algumas coisas. O que você pretende?

- Vamos viajar semana que vem. Tomaremos um cruzeiro. Quando voltarmos, decidiremos.

Ela é um mar conturbado e eu sou um barco pequeno, sem controle. Ela encenou uma peça na última vez, a fim de ignorar qualquer problema que pudéssemos ter. Que tipo de tolo sou eu? Bom, eu perdi as estribeiras.

- Quantos meses?

- Dois e meio, acredito.

- Então é certo.

- Naturalmente.

E quem diria que uma vida inocente destruiria outra. E destruindo a inocência, se destruiria o corpo da perversão. Alguém diria que o amor se resumiria a destruição?

- O que você acha que devo fazer?

- Dê a ela uma poção. Uma poção... Estranha.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Ironia da Despedida


Fico admirado como quão irônico o Destino se revela ser em momentos sensíveis.

Hoje, ele, em seus eventuais sermões, dizendo-me coisas repetidas que me fazem vagar em outros pensamentos, soltou-me a seguinte frase: “essa garota, ela logo enjoará de você”.

Algumas horas antes, em outro recinto, não ouvindo sermões, mas sim lamentações, ela, isto é, aquela garota a qual ele se referia, me disse: “acho que até demorou muito, mas você sabe como eu sou e, bem, é, eu enjoei de você sim; mas não quero que você sinta raiva de mim. Apenas aceite”.

O que aprendi; e aceito. Não há mesmo outra alternativa; é o escárnio do Destino. Um ser sádico que gosta de dançar, como um bêbado alegre. Sua música preferida é o choro dos homens.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Teatro

A lua que caminha sobre a rua
É a mesma que nas noites flutua
Aquela que esconde os pecados
Nos momentos em que nada é errado
Então Cecília estacionou o carro
Pegou da bolsa e acendeu um cigarro

Um homem manco e caolho
Caminhando do outro lado da esquina
Achou que sua desgraça era infinita
Se achou no direito de machucar uma outra
E perguntou a si mesmo: por que não uma menina?

Uma que seja rica
E que seja linda

Magno, o esquisito, tirou um canivete da cintura
Olhou o carro e atravessou a rua
Bateu com as mãos leves na janela
E não olhou a expressão da cara dela
Apenas pensou:

Uma que seja rica
E que seja linda

Eu não quero terminar este conto
Não do ângulo do meu amigo esquisito
Porque se aquele manco não está agora um pouco tonto
Ele vai ficar quando souber o que ela pensa sobre isto

Há algo que você quer ouvir?
Bem...

A lua que caminha sobre a rua
É a mesma que nas noites flutua
Aquela que esconde os pecados
Nos momentos em que nada é errado

Cecília abriu os vidros
E convidou o meu amigo
Para um passeio.
E quando ele a tocou os seios
Aquele caolho não era mais eu.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Pássaros


Um pássaro voa e saboreia a liberdade nas alturas, nos ares remotos; desvinculado da noção de tempo e espaço.

O pássaro flutua. Ingênuo, porém soberano. E quando sente fome, bate as asas. E foge de tudo, até não enxergar mais nada. Nada além da plenitude dos ventos, que se confunde com a sua.

Portanto eu lhe digo que o pássaro é cego.

E eu, nesta cela, acendo um cigarro, bebo alguma coisa; talvez assim eu roubo alguma plenitude do ar. Está tudo em minha volta, basta eu deixar a morbidez de lado e fazer. Mas sempre há algo que me amputa.

São tudo cinzas e eu pareço preferir me retalhar à me prevenir.

Talvez seja sono.

Talvez...

domingo, 3 de maio de 2009

Manhã Singela


Assopre tudo que há em você para dentro de mim
Há vários mundos vagos lá fora lhe esperando
Talvez precisamos apenas segurar nossas mãos assim
Fechar os olhos e seguir por aí caminhando
Hoje estou bem porque sei que estamos longe do fim
Existem dias que me repito, que me pego sempre olhando
Para livros de histórias velhas, vestidas de cetim

Se há um feito sem tal efeito, surge um defeito
E aí me dizem que sua perfeição me desagrada
Mas não penso muito sobre tudo enquanto não deito
Gosto mesmo de olhar para o nada e esperar uma fada
Que clama nos meus gestos, tímida, sem jeito
Por uma visita, uma palavra bem dita, uma palavra bem falada
Se não faço nada, é por ignorância, sou imperfeito

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Máscaras e Luzes

Abaixe as luzes... Ei, senhor das luzes! Preciso que você as abaixe.

Não estou brincando, é preciso abaixar as luzes. Oras, vamos lá, faça-me esse favor.

Bem, preciso acender uma antes.

Obrigado. Agora vamos, esta é uma história que não gosto muito de contar, pois nunca mais olhei outra vez nos seus olhos. Você imagina o quanto fui livre e ilimitado depois de tudo? Só precisei de um amigo estranho para conversar comigo, entende? É porque existe um sonho desesperado em nós.

Sente-se aqui ao meu lado, quero sentir o seu hálito. Por longos instantes...

Qual máscara da sua coleção você usará hoje?

Responda-me antes de abrir a porta.

E assim entramos pelo corredor. Há figuras nas paredes.

Criança... Vê aquele lagarto ali se arrastando? Pois é, ele quer falar contigo agora. Alguns assuntos particulares.

Ah, minha criança, nos dê uma única chance. E venha até aqui, sente-se de costas para mim. O que vamos fazer já foi regra no passado. Nos tempos em que houve um senhor que quis desfazer tudo, pois conhecia tudo, e sabia que éramos assim mesmo. Mas esse bom velhinho perdeu as estribeiras quando uma loira sentou-se de costas para ele.

O homem perdeu as estribeiras, meu chapa.

Mas vamos continuar nossa história de brincadeirinhas. A garota então se levantou e cenas estranhas acompanharam o passeio. Havia um lago e, quando o olhei, vi reflexos nus na água. A pele estava fria.

Então tive que acender uma antes.

Ei! Agora... Você está na minha casa. Ela andou pelo corredor, encarou uma figura estranha na parede. Abriu a porta, olhou para a janela, procurou as luzes e não as achou. Então, ele me pediu fogo.

Você quer fogo, querida?

Sim, meu bem. Eu quero fogo."

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Poema das Línguas


Línguas lindas, mudas
Línguas estranhas, pontudas

Línguas de loucos
Nascem na boca dos outros
Línguas mundanas
São o meu tesouro

Línguas de fogo
Línguas abastecidas de violência
Queimam o meu corpo
Línguas sem prudência

Línguas que caminham pelo pescoço
Causam calafrios na nuca
Línguas que buscam meu almoço
Enquanto a donzela caminha para o nunca

Línguas bastardas fazem filhos em homens
Línguas loucas soletram prazeres
Línguas me chamam aqui
Línguas desocupam os afazeres

Línguas fazem leitura labial
Línguas, línguas..
Línguas curam minhas ínguas

sábado, 25 de abril de 2009

Independência

Imagine! Porque ninguém, nenhum alguém, jamais saberá verdadeiramente o que você imagina.

Esse é o seu maior segredo, a sua arma, o seu poder.

Imagine! Realize seus sonhos mentalmente. Sua imaginação é o seu mundo. Então, valorize-o.

Sorria para o seu mundo, pois você o controla. Ame seus amados, maltrate seus odiados. Ajoelhe-se e se exalte. Trabalhe e durma. Viva no castelo ou na calçada.

Neste mundo, eu tenho minha amada, tenho meu cavalo e minha espada. Neste mundo, eu tenho minha princesa. Tenho condição de colocar os melhores frutos sobre a mesa. Posso criar toda a felicidade do mundo para afastar a tristeza; sou perpétuo no meu mundo. Crio nele o céu estrelado e o paraíso profundo. Crio o vivo e o defunto. No meu mundo não há vida e morte, azar e sorte.

Terá o gosto do seu calor, o prazer do meu amor. No meu mundo haverá você e eu. Do mesmo formato, sempre apaixonado, sentindo o mesmo amor, da mesma cor.

Imagine! Porque ninguém - nenhum alguém - jamais saberá verdadeiramente o que você imagina.

Esse é o seu maior segredo, a sua arma, o seu poder.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Intempestivo


As avenidas estão longe daqui
E aqui
Há cadeiras vazias
Você para, senta e olha
Há olhos que mentem

Há alguém nos subestimando
No escuro da cidade
Mas passando por essa fase
Atacaremos, pois
Estamos nos armando

Os policiais serão presos
E os bandidos assassinados
Por essas crianças que usam o meu fuzil
Me diz, me diz
Qual é o preço do Brasil

domingo, 19 de abril de 2009

Domingo

E hoje o tédio se sentiu em casa dentro de mim. Ele teve companhia, é verdade, de outros amiguinhos seus que às vezes o acompanham, mas que não me fazem produzir nada agradável. E fazia tanto tempo, numa tarde de domingo, que não tinha aquela sensação de que minhas pernas estavam enterradas no chão; de que as estrelas nascendo no céu no início da noite iriam cair sobre minha cabeça, fazendo tudo pegar fogo e morrer sem deixar memórias.

Tédio e domingo formam uma mistura alucinógena. Quando se unem, eu me sinto um raquítico pesando 150 quilos. É tudo tão fraco e tão sensível e, ao mesmo tempo, tão pesado e tão difícil de alterar. E quando olho pela minha janela, sempre olho para a mesma direção. E lembro dos frutos daquela árvore tão simpática.

Bem, hoje foi assim. Eu experimentei essa velha sensação que me abandonou por um bom tempo. Hoje é domingo e, em determinado momento do final da tarde, me peguei dizendo: “Porra, hoje é um autêntico domingo”.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Acomode-se


Já tentou fazer os finais se encaixarem?
Te levarei para o único final que conheço
Sei que quando se tenta, várias portas se abrem
Você quer ter um bom fim, não é mesmo?

Sei quem pode nos levar aos lugares
Onde todas as veias se encontram
Quais cores você quer para os mares?
Me diz enquanto minhas mãos os preparam

Nunca rezamos, mas se ajoelhe essa noite.
Eu só preciso ouvir alguns sons
Consigo ouvir bem os pássaros
Alguns deles têm certos dons
Agora, estique o seu braço
E não tenha medo do meu açoite

Só quero que você feche os olhos e respire ao mesmo tempo
Enquanto os finais se encaixam dentro de você
"Querida, você se lembra das tardes de domingo de novembro?
Fazia frio e tudo que eu queria era terminar tudo com você"

terça-feira, 14 de abril de 2009

Homens Bombas


Peguem todas as suas armas e chamem todos os seus amigos. Às vezes ela se chateia comigo, mas é porque eu prefiro os sorrisos coletivos a um único riso. É por isso que lhes digo para pegarem todas as armas e chamarem todos os seus amigos. Hoje é um dia de fazer o mundo todo sorrir.

Vamos fazer apenas algumas coisinhas.

Sentem-se aqui, vamos apagar as luzes. Lembram-se daquele jovem que nos disse que com as luzes apagadas nós nos sentimos melhor? Bem, é só um pouco de baixaria.

Se estamos todos juntos aqui, é porque alguém nos contagiou. É difícil chegar em casa após um dia duro e ver que um nobre partiu. Não é tão bom descobrir que somos pouco abençoados e que existe um fantoche pintado de cinza nos fazendo rir todas as tardes.

Por isso seremos homens bombas hoje. Temos algumas cabeças para explodir. Sabem, querida, eu vou começar pela minha; e sabem por quê? Seu sorriso me instiga a isso.

Não, não digam nada. Venham, sentem-se aqui e se explodam comigo. Temos tempo. Somos apenas um casalzinho esquisito.

sábado, 11 de abril de 2009

Cores de uma Canção

Chegará a nossa vez de construir nossa casa com as nossas mãos,
Em meio a um mar azul-anil profundo, belo e distante,
Em meio a uma floresta de árvores protegidas por anciãos,
De contrastes verdes protetores formando flores ofuscadas e cintilantes.

Não me causa comoção morar numa cidade assim tão grande,
Aqui, a felicidade das pessoas derrete com o fim do dia,
Nossos prazeres não se identificam dentro desse presente,
Acompanhe-me por essa natureza que é tanto sua quanto minha.

Imagine que o azul da noite expire por nossa vontade,
Que o amarelo do dia seja fruto da sua felicidade,
As cores giram em torno de nós pela beleza do contraste,
Aprecie esse seu novo mundo formado por todas as cores,
Sinta o sabor de ter uma lua manchada e coberta de flores.

Tenho um problema, consegue me identificar?
Consegue me ajudar com o ritmo do seu toque?
Adquira uma palavra para que eu possa cantar,
Compor para a minha mulher uma bela canção de rock,
Com as influências que marcam e apoderam o seu próprio pensar.

Cansei de criar mundos surdos e mudos para a minha mulher,
Crio para ela músicas que explicam a explicação do chegar,
Excluindo a negação de que o que nos motiva é a fé.

Planetas de vozes vociferando seu nome no vácuo do espaço,
Pétalas de cordas que a prendem, propondo além de palavras,
O descanso que se refere ao que eu sei que posso e faço,
Assim que a pretendo sentir, como frases desarmadas,
E se eu fosse escolher um lugar para morrer, escolheria seus braços.

Nós vamos contribuir com o amanhecer e com o entardecer,
Por sermos os mais belos telespectadores desse ímpeto,
Sentados naquele banco antigo e cômodo que tanto adoramos,
Que transcorreremos o que chamamos de linha do infinito.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Rei Caronte

Nascido em Sheol, não se sabe em que ano ou onde
Sabe-se apenas que deram a ele o nome de Caronte
Era costumeiro atravessar a barca pelo rio Aqueronte

Quando era questionado por ser tudo dessa maneira
Ele respondia: “Somente por isso, acredite
Aqui, neste meu rio, não se pesca sereia
E nenhum empregado de Afrodite trabalha"

Caronte era tão velho e há tantos anos com aquela missão
Sempre que chegava um novo passageiro, recebia sua moeda
E remava com suas antigas forças, fumando alcatrão
Seu rio era um grande poço de água, rodeado de pedras

Caronte, rei do segundo maior rio do mundo
Caronte, você é um grande filho do barro
Percorre navegando, destruindo sonhos oriundos
Faz da morte alheia remadas de um barco

Há boatos que mataram seu pai, mas a verdade está longe disso
Caronte jamais teve rivais, seu Pai é dono de tudo isso
Caronte, continue sua navegação pelo Aqueronte
Seu Pai o espera, trazendo mais um de seus filhos

Quando tentaram trair Caronte, ele guardou sua barca
E prometeu a todos cessar o seu trabalho
Deixando todos os enfermos ansiando novas almas
Assim, Caronte se tornou um Rei honrado

A guerra estoura ao amanhecer, mas Caronte continua
Ele é perpétuo nessa navegação eufórica
Ele nos disse certa vez que a morte é uma grande amiga sua
É por tanta admiração que ele faz dela a sua Senhora

Caronte disse: "deixe este lugar para o além
Deixe-o entrar na minha barca para chegar ao seu lugar
Este lugar se tornará algum dia importante para alguém
Será aqui o destino final da minha barca, este é o nosso lar"

Não há homens aqui perseguindo o velho Caronte
Ele é apenas um serviçal dentro de um grande rio
Quero que o Senhor nos mostre a sua fronte
Porque você é o Pai de Caronte, você é o Senhor
Ele navega há tantos anos trazendo seus escravos
E no nosso mundo falam da senhoria com tanto horror
Eu quero agora enxergar o rosto de quem diz ser o Diabo

Caronte é um velho que trabalha para o velho Hades
Não se sabe desde quando, mas Caronte é filho do pai
Esse segredo está guardado no seu coração trancado à chaves

Não chore, não chore, agora que você está perto de descobrir
Chegou a sua hora de navegar pelo rio Aqueronte
Triste infelicidade a sua de ter que logo agora partir
Entre na barca e pague a moeda do Rei Caronte
Ele te levará até o final do rio sem que você adormeça
Você está navegando sobre sonhos, onde não há sereias
É apenas o rio que te leva para o Inferno
Cuidado, não mantenha o seu corpo assim tão interno
Caronte é filho e salvador da verdade
Caronte apenas faz o seu dever de levá-lo para Hades.

domingo, 5 de abril de 2009

Identidade

Bem, eu sei de tudo. Não há mais nada agora que eu não posso captar. Se lembra daquela tarde ofegante? Certo...

Peço desculpas, mas não havia jeito de ficar quieto. Entenda que eu estava zonzo naquele dia. Acertava todos os alvos; mas os sons, não. É porque os sons me desequilibram.

Agora, quando é manhã, eu sinto sempre tudo da mesma forma. Por que eu fiquei? Jamais apenas um pouco alterado. Não há nada aqui que eu não conheça. Só essa sensação de que agora tudo ficará como deveria.

Não há nada perdido ainda; só sou um labrador farejando os rastros. Sinto falta; mas o que posso dizer? Palavras? Palavras sãos coisas que se dizem...

É engraçado, não há encruzilhadas me cercando. Me lembro ainda das promessas pactuadas naquele dia. Um dia me esconderei nas suas asas.

Acho que você tem nome de pássaro.

E tudo que tenho é um deus me atacando. Vamos lá, senhor. Uma palavra, um ato. Ou uma gota de sangue. Sempre, sempre; não sei por qual razão, me saboreio observando. O passo, o tom de voz, a leveza do tato, me entende? É claro, não precisa muito para instigar. Já a satisfação se dá pelo ato. Por que sou tão desvirtuado?

Acho que falo demais agora. Esqueço que o mistério é a minha rede.

Adoro palavras, sabe? Já percebeu que palavras tocam? Seja o que for, com as palavras certas, se consegue a vontade. E vontade é tudo que importa, o resto é imperfeito.

Aprenda a conversar, meu camarada. Autobiográfico demais, não acha? Você se sente um pouco desconfiada lendo isso agora? Foi por acaso que você está me lendo agora? Não serei cínico: escrevi para você sim. E é por lhe achar diferente, sabe?

Sou fascinado por diferenças...

A diferença descoberta leva a uma igualdade tão absurda, não acha? Se não entendeu, pense um pouco a respeito. Não quero ser arrogante.

Vamos combinar agora: um dia eu lhe perguntarei a origem do seu nome. Então você entenderá, certo?

Eu sou só uma pessoa que gosta de brincar demais. Não gosto de resolver enigmas, mas me maravilho em criar alguns. E esse não é complicado. A solução é mais óbvia.

Eu não escreveria para você à toa.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Ambíguo

As coisas são como são
Porque são assim
Não poderiam ser de outro jeito
E caso fossem
De outro jeito seriam
Sendo desse mesmo jeito
Voltando a ser como são
Ou como seriam
Mas não eram.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Grades da Quinta Rua

O verde do lodo se choca com o cinza do chão
Batido de cimento, com as borras espalhadas
Os mesmos brinquedos de dez anos atrás
A mesma criança linda dona de um coração

A lagarta no pé de goiaba - cercado de prédios -
O resto do pomar que a vizinha jogou mal olhado
Isso fazia parte do meu quintal, meu remédio
Os mesmos brinquedos de dez anos atrás, jogados

A gangorra do parque sem ter alguém para sentar
Estava lá, ela no chão, esperando equilíbrio
Eu a enterrando no chão, uma direção alta
A outra baixa, comigo sozinho.

sábado, 28 de março de 2009

Bar do Jaques (Parte II)

O bar do Jaques fica no final de uma ladeira; uma rua morta de asfalto antigo, cravejada em paralelepípedos. Se o bar não existisse, ali seria o fim do bairro. Morto; local que teria a atração apenas dos mendigos, viciados perdidos, ladrões pequenos e prostitutas infectadas. A geografia do lugar era propícia. Jaques foi um homem de incrível visão. Comprou aquele terreno lúgubre e desabitado; comprou por uma ninharia, de tão desvalorizado que era. De um lugar como aquele que ele precisava ter para abrir o seu negócio próprio; sua freguesia seria as pessoas interessadas em um refúgio social. O local ideal para elas se desabrocharem, sem medo das fofocas hipócritas de uma sociedade sórdida. Assim, padres ninfomaníacos, policiais que gostavam de transar com homens, professoras apaixonadas por seus alunos e todo o tipo de gente que queria um pouco de diversão sem usar máscaras eram atraídos àquele bar. Jaques dizia que alguém deveria compreender as pessoas e seria justo cobrar um valor simbolicamente monetário por isso. Se o dinheiro não compra felicidade, Jaques era o cara que vendia o espaço para as pessoas serem felizes.

Como qualquer casa noturna, o dia mais movimentado da semana era sexta-feira. O último dia de trabalho para a maioria das pessoas; todos exaustos de manter as aparências. Jaques fazia algo especial para os seus clientes na sexta-feira; começava com um show de humor e depois música ao vivo. E nossa bandinha faria o show aquela noite, com sua primeira e única formação no palco, até aquele momento: Pablo, líder, vocalista, guitarrista e robô; Sérgio, baixista e o único verdadeiro músico e compositor do grupo; eu, gaitista e nada mais; e Marques, o nosso baterista autista viciado em crack.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Título Ausente

Aos meus pequenos amigos
Eu escrevo uma obra intitulada
Apenas como texto sem título

Pessoas que tem algum distúrbio
Não entendem que tudo
pode ser, assim como é, ambíguo

Cada vez mais o confuso e o estranho
Muda de maneira muito descontrolada
assim como eu mudo o meu tamanho

segunda-feira, 23 de março de 2009

A Ideia, o Estrago

Quando um homem está no auge de sua fissura sexual, pouco lhe importa proporcionar prazer à sua amante. Tudo o que esse homem endiabrado deseja é possuir sua amante como um cavalo cruza com uma égua, ou como um cachorro acasala com uma cadela. A mulher, quando também está no auge de sua fissura sexual, deseja ser uma égua ou uma cadela; ela escolhe o seu macho. O macho quer provar para ela que ele é o melhor. Este é o estado natural dos homens e das mulheres. O homem quer fazer sexo, a mulher quer ser possuída; e ambos têm um pensamento em comum: que se dane o resto do mundo.

Homens e mulheres rangem os dentes e entram em um êxtase simbolizado pelos gritos e gemidos. O suor escorre pelo corpo enquanto o homem apenas deseja penetrar mais profundamente; e a mulher ser penetrada até o útero. O som é inexistente; a dor é o melhor analgésico: isso também envolve trocadilhos. Às vezes, eu rio das palavras.

Analgésico.

A melhor transa é feita inconscientemente; é um vulto que o casal se pergunta depois: "o que foi isso?". Não existem jogos e seduções no estado de inconsciência. Existe instinto. O orgasmo é o grito desesperado da liberdade; e aquele cheiro característico de sexo que exala no local desde o início da transa, apenas é perceptível depois do sexo. Às vezes, sequer no final é perceptível.

A paz não tem cor, nem cheiro.

Nagasaki nas minhas entranhas.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Bar do Jaques

O sono é um dos caçadores mais virtuosos e o sonho é o seu meio de tortura predileto. Na cama, molhando o lençol com o suor infectado de toxinas. O sono me agoniza o dia inteiro e o auge do seu sadismo é me proibir de lembrar os meus sonhos nefastos. Acho que morri duas vezes hoje: quando deitei e quando sonhei. Nesse momento alguém quebrou a vidraça do quarto com uma pedra. Escuto ao longe o grunhido quase insonoro:

- Ei cara! Vamos, já são quase 10 horas.

Quase 10 horas. Deitei-me ainda não eram 5 horas da manhã. E agora já são quase 10 da noite. O sono e o despertar são irmãos siameses. Um enforca a vítima até que ela tenha um colapso e desmaie por toda eternidade; o outro é o anfitrião que recebe sua vítima sem cerimônias, com facadas cirúrgicas por toda a cabeça.

Ressuscito após um dia.


Imagino Jesus Cristo ressuscitando após três dias.

Sinto pena de Jesus.

- Ei cara, você está aí? Você está nos atrasando.

- Estou me calçando.

Essa é a nossa noite. Vamos tocar em um bar movimentado. Foram duas semanas de ensaios. Apenas preciso achar minha gaita. Calço os sapatos, a sola suja de barro. Às vezes, para mim, apenas sair por aí e sujar a sola dos sapatos de barro, molhar a barra das calças, rasgar as mangas da camisa em algum arbusto espinhento, caçar um lobo na floresta, é a solução. Mas eu não sou tão bom, e essa noite é a nossa noite. Temos um show e os moleques estão esperando por mim.

Tranquei a porta. Mãos ao corrimão.

- Olá, cara.

O vizinho do meu quarto. É engraçado como seu olho direito é sempre três vezes maior que o esquerdo. É engraçado como toda a sujeira daquela espelunca se reúne no corrimão. Os moleques, já impacientes, se apressam a me ver.

- O que estava fazendo? Precisamos passar o som.

Eu não preciso passar som nenhum. Eu toco gaita e apenas preciso de um microfone sem microfonia. Alberto, o garçom do bar onde vamos tocar, já providenciou esse microfone; então estou pronto para o nosso show.

- Essa é a nossa oportunidade. O bar é bacana, alguns produtores sempre aparecem por lá nas sextas-feiras. Podemos sair de lá com alguma conversa marcada.

Quem disse isso foi Marques, o guitarrista da nossa banda de blues. Marques tinha habilidades para tocar guitarra. O triste era perceber sua semelhança com um robô ao tocar blues. Solos previsíveis. Tudo bem, eu não sou um gaitista virtuoso. E tocar com aqueles caras me fazia bem. Ter uma banda significa conhecer algumas pessoas, ter alguns lugares para tomar uma cerveja, alguém para arranjar uma erva, ter algumas meninas de vez em quando. Em resumo: ter uma vida adolescente aparentemente normal. Eu preciso disso.

O bar do Jaques sempre fora movimentado nos fins de semana. Alberto, o garçom, sempre selecionava bandas capazes de fazer uma apresentação minimamente razoável para tocar no bar. É o sonho de qualquer banda iniciante da cidade tocar no bar do Jaques, mesmo a única garantia que se tinha ao tocar no Jaques era ganhar uma caixa de cerveja ao final da apresentação. É claro que tendo grana, é possível dormir com alguma prostituta da casa em um dos quartos que ficava no andar de cima do bar. Antes mesmo de chegar já dava para sentir aquele velho cheiro de sexo. Essa é a nossa primeira apresentação no bar do Jaques. Nossa quinta apresentação.

terça-feira, 17 de março de 2009

Contida Liberdade

Interminavelmente, uma mudança aguda
Dentro da minha contida liberdade
Felicidade
Provou não ser imprópria ou fajuta
Ela caminha na minha direção
Eu caminho sobre alguma estação

Dobrando novas avenidas sem entender
Quantas serão precisas para aprender?
Dentro da minha contida liberdade
Felicidade
Provou não ser imprópria ou vagabunda

Tenho fogo caminhando em minhas mãos
Não é preciso provar que não passa de armação
Felicidade
Você me prometeu construir verdades

Não passa de uma noite sentado no telhado
É tudo imaginação, é tudo pensamento
Espero o frio da noite me secar do molhado
Para voltar a dormir no meu quarto.

sábado, 14 de março de 2009

Refúgio

Não quero fazer você sentir alegria
Tenho a lhe oferecer bem mais que felicidade
Se eu a convidasse para um passeio, você iria?

Vamos navegar nessa barca por toda eternidade
Não sinta medo desse frio profundo
Esse lugar é uma outra realidade
Venha, vamos navegar por esse novo mundo

O paraíso dos sonhos é o nosso abrigo
Aqui não há problemas ou tabus, nada existe
Esse lugar é o meu refúgio e é seu amigo
Um lugar livre de religiões
Onde o nosso pensamento consiste.

quarta-feira, 11 de março de 2009

II Epílogo: A Viagem

Um bom gole daquele líquido azulado e gelado para me aliviar das tensões, por momentos cronologicamente minúsculos, enfaticamente eternizados naquela parada. A cronologia perde o bom senso diante daquele homem chamado Acusador. Outro bom gole daquele veneno azul e gelado, para que eu pudesse apreciar a agonia de uma noite inteira e sentir o término da aflição com o nascente do sol.

Naquele momento da viagem eu já não mais queria sentir a luz brilhante do sol exacerbando os meus olhos. Mais tarde, eu aprendi que essa mesma luz se traduz como um início que jaz o fim. As luzes soam delírios.

Tudo se passava pela minha mente: a partida, a queda, a generosidade, a partilha, a viagem. Cada quesito desse citado é um capítulo da minha história. Cito a viagem agora, pois a cronologia perde o bom senso diante daquele homem chamado Acusador.

Lembro quando aquele veículo intenso e denso embarcou; já havia homens embarcados. Era apenas a minha vez de subir, sentar-me próximo à janela e olhar a paisagem selvagem que aquela viagem me proporcionaria. Selvagem é o melhor adjetivo para aquela viagem única. Naquele ônibus não era preciso ceder lugar a velhos, grávidas ou aleijados, pois todos tinham o direito de sentar-se à janela, com o direito sublime de ver toda a paisagem daquela viagem selvagem. Todos ali viviam com seus próprios recursos. Todos tinham o recurso de fazer aquela viagem, bastaria querer.

O ônibus acelerou. Todos calados durante a viagem, todos flutuando em ideias. Como seria chegar lá? Há tanto tempo sonhava com isso, sempre intrigado, questionando todas as fantasias. E o que vejo? Flores vermelhas! É totalmente fantasioso... É real. Eu presenciei o imaginável que eu questionava. Havia homens e mulheres e deformados a bordo, eu era apenas mais um. Apenas mais um. Como era real, todos eram apenas mais um. Como era real!

A estrada, contraditoriamente como dita nos livros, não era uma descida, embora houvesse sim descidas. Entretanto, havia subidas e curvas, e sempre que eu olhava para a janela, eu via flores, em sua maioria vermelhas; mas às vezes via amarelas, azuis, roxas. O chão era verde. A paisagem, no contexto, era colorida, como o chapéu do motorista. Ele sempre estava sorrindo, mesmo mantendo sua expressão séria. Todos permaneceram calados durante toda a sua viagem. Vários pararam antes de mim. O mais nítido é que cada vez que o motorista parava o ônibus e dizia o nome de quem deveria descer, os olhos dos outros passageiros brilhavam. Todos estavam embriagados com aquela viagem.

Tomei outro gole daquela bebida azul e gelada.

Sempre houve tolos que jamais foram perturbados por não darem-se conta de suas próprias tolices. Eu nunca saberei dizer até quando o mesmo tolo estará afundando nesse poço miserável. O vento dançava lá fora. Naquele mundo os elementos pareciam ser jovens.

Pela primeira e última vez o motorista falou algo além dos nomes dos passageiros que haviam chegado ao fim da linha da sua viagem: “todos dançam ao lado de fora, essa sempre foi a regra”.

domingo, 8 de março de 2009

Olha para Cá


O cheiro doce da infância,
Os cabelos que esvoaçam ao vento.
Se me deu esperança,
Mas eu permaneci parado, atento.
Com vontade de ser tocado pelos seus dedos,
E dentro de mim, sentindo medo
De ser encarado por aquele olhar meigo.

E se ela é tão linda e eu tão feio,
O pessimista diria que não há meio.
Mas mesmo eu, que não sou interesseiro,
Tenho meus motivos, de qualquer jeito.

E não há nada a fazer que eu não tenha feito,
Só quero um pedaço do inteiro,
E experimentar, de olhos fechados, um beijo,
Que anotei num pedaço de papel que vou lhe entregar,
Sugerindo que você olhe para cá.

sexta-feira, 6 de março de 2009

I Epílogo: O Trato

Primeira linha do Tratado sobre o Trato: o trato aguça.

Segunda linha: o trato desperta.

"Pois bem, meu caro, sei que veio das mais longes terras para falar comigo; afinal, moro nas terras mais distantes. Sente-se, camarada. Quer uma donzela? Não? Não aceito a recusa de um bom vinho. Eis o sangue de Cristo. Bafore um pouco o cachimbo.".

Terceira linha: o trato seduz.

"É claro que cada um vive com seus próprios recursos. Eu sou sensível o bastante para perceber que você se esconde sob o seu manto, mas à noite você desaba suas fraquezas no travesseiro. Sua lágrima é a única fonte de água para regar o seu jardim.".

Ele, enigmático, continua:

"O cachimbo está bom? Bem, eu gostaria muito contar a minha história. Na minha versão, é claro. Mas seria falta de delicadeza contigo; você veio até mim para eu lhe ajudar. Se sente melhor agora?".

Quarta linha sobre o trato: o trato é poético:

"A primeira, digamos, percepção que o senhor deve ter é a de que a sua vida é uma sinfonia. Existe um maestro, que ainda não é você. Você ser o maestro faz parte do nosso acordo; o que eu quero que o senhor entenda agora é que você deve deixar as flautas flutuarem sobre a sua alma, e os violinos a violarem. Essa é a parte mais importante."

Quinta linha: o trato é um caçador:

"Uma vez um miserável disse a outro, gargalhando de embriaguez: 'você está furioso? Oh.. Você é apenas mais um rato engaiolado'. Esse miserável entendeu o trato. Eu quero que o senhor pense sobre isso. Deixarei você sozinho.".

Sexta linha sobre o trato: O trato liberta.

"Pois vejo que o senhor ainda está aqui. Uma última frase e você entenderá o trato: 'luzes soam delírios.'"

O viajante diz: "senhor, o verdadeiro trato não é libertino."

O Sábio sorri sereno.

Sétima linha do Tratado sobre o Trato: o trato se firma.