sexta-feira, 12 de junho de 2009

Porcos


Meu pai me disse certa vez: “Os porcos comem tudo que você imagina”. Soou aquele silêncio reflexivo por instantes. “Até bosta?” Questionei. “Sim, até bosta”. “Nossa, porco então... é um animal tão porco. Ouvi a resposta do meu pai: “por isso porco é conhecido por porco”.

Meu pai, hoje um velho, fora um lenhador desde a juventude. Lenhava árvores de dimensões inexistentes nos tempos singulares de hoje. Trabalhava sozinho na construção de uma canoa que ele mesmo desenhara, escaldando troncos numa matinha fechada perto da fazendo que vivia.

Em meio aos dias plurais, houve um especialmente particular. O dia ardia no extremo colosso do calor tropical, e o cansaço sugava o velho de cima para baixo. A fadiga o instigava a jogar o machado no chão e sentar. Punhos dormentes, pernas bambas e consciência bêbada. Olhou sua sombra e notou que ainda estava no primeiro quarto do dia bravo. Parou para tomar o chá de coca e olhou o sol severo. Neste instante, ouviu um sussurro: “caia desgraçado”, acompanhado de um baque nos pulmões.

Respirou fundo, inclinou o corpo para frente, tosse rouca e seca; segurou o machado com firmeza e estalou duas, três, cinco vezes. Ouviu um sorriso tímido. Ignorou e continuou a labuta. Uma rolinha pousou na sua sombra e bicou o chão. O velho parou, olhou para trás e viu o pássaro sair voando.

Percebeu as mãos trêmulas, ignorou, e derrubou a árvore. Continuou o serviço. Viu a mesma rolinha estática em outra árvore e sua boca salivou. Saliva quente. Ignorou e trabalhou brutalmente por horas consecutivas, ouvindo de vez ou outra um sorriso infantil, progredindo para o sarcástico.

O machado caiu da mão. Tentou pegar e não conseguiu; o corpo inteiro tremia. Olhou o sol severo e resolveu parar para refeição. Saiu da matinha se arrastando e sentou no banco ao lado da pocilga. Não conseguia comer. Com dificuldades acendeu o fumo e tragou. Começou a transpirar um suor denso e sentiu o mundo girar. Ouviu sons estrebuchados, estranhos. Ouviu os porcos grunhidos no meio da alucinação. Olhou para trás e viu os suínos comerem sua sombra. Os olhos semicerrados se esbugalharam. Um grito agudo esgueirou-se. Soou um silêncio reflexivo por instantes. O velho suspirou e se sentiu saudável.

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