segunda-feira, 30 de março de 2009

Grades da Quinta Rua

O verde do lodo se choca com o cinza do chão
Batido de cimento, com as borras espalhadas
Os mesmos brinquedos de dez anos atrás
A mesma criança linda dona de um coração

A lagarta no pé de goiaba - cercado de prédios -
O resto do pomar que a vizinha jogou mal olhado
Isso fazia parte do meu quintal, meu remédio
Os mesmos brinquedos de dez anos atrás, jogados

A gangorra do parque sem ter alguém para sentar
Estava lá, ela no chão, esperando equilíbrio
Eu a enterrando no chão, uma direção alta
A outra baixa, comigo sozinho.

sábado, 28 de março de 2009

Bar do Jaques (Parte II)

O bar do Jaques fica no final de uma ladeira; uma rua morta de asfalto antigo, cravejada em paralelepípedos. Se o bar não existisse, ali seria o fim do bairro. Morto; local que teria a atração apenas dos mendigos, viciados perdidos, ladrões pequenos e prostitutas infectadas. A geografia do lugar era propícia. Jaques foi um homem de incrível visão. Comprou aquele terreno lúgubre e desabitado; comprou por uma ninharia, de tão desvalorizado que era. De um lugar como aquele que ele precisava ter para abrir o seu negócio próprio; sua freguesia seria as pessoas interessadas em um refúgio social. O local ideal para elas se desabrocharem, sem medo das fofocas hipócritas de uma sociedade sórdida. Assim, padres ninfomaníacos, policiais que gostavam de transar com homens, professoras apaixonadas por seus alunos e todo o tipo de gente que queria um pouco de diversão sem usar máscaras eram atraídos àquele bar. Jaques dizia que alguém deveria compreender as pessoas e seria justo cobrar um valor simbolicamente monetário por isso. Se o dinheiro não compra felicidade, Jaques era o cara que vendia o espaço para as pessoas serem felizes.

Como qualquer casa noturna, o dia mais movimentado da semana era sexta-feira. O último dia de trabalho para a maioria das pessoas; todos exaustos de manter as aparências. Jaques fazia algo especial para os seus clientes na sexta-feira; começava com um show de humor e depois música ao vivo. E nossa bandinha faria o show aquela noite, com sua primeira e única formação no palco, até aquele momento: Pablo, líder, vocalista, guitarrista e robô; Sérgio, baixista e o único verdadeiro músico e compositor do grupo; eu, gaitista e nada mais; e Marques, o nosso baterista autista viciado em crack.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Título Ausente

Aos meus pequenos amigos
Eu escrevo uma obra intitulada
Apenas como texto sem título

Pessoas que tem algum distúrbio
Não entendem que tudo
pode ser, assim como é, ambíguo

Cada vez mais o confuso e o estranho
Muda de maneira muito descontrolada
assim como eu mudo o meu tamanho

segunda-feira, 23 de março de 2009

A Ideia, o Estrago

Quando um homem está no auge de sua fissura sexual, pouco lhe importa proporcionar prazer à sua amante. Tudo o que esse homem endiabrado deseja é possuir sua amante como um cavalo cruza com uma égua, ou como um cachorro acasala com uma cadela. A mulher, quando também está no auge de sua fissura sexual, deseja ser uma égua ou uma cadela; ela escolhe o seu macho. O macho quer provar para ela que ele é o melhor. Este é o estado natural dos homens e das mulheres. O homem quer fazer sexo, a mulher quer ser possuída; e ambos têm um pensamento em comum: que se dane o resto do mundo.

Homens e mulheres rangem os dentes e entram em um êxtase simbolizado pelos gritos e gemidos. O suor escorre pelo corpo enquanto o homem apenas deseja penetrar mais profundamente; e a mulher ser penetrada até o útero. O som é inexistente; a dor é o melhor analgésico: isso também envolve trocadilhos. Às vezes, eu rio das palavras.

Analgésico.

A melhor transa é feita inconscientemente; é um vulto que o casal se pergunta depois: "o que foi isso?". Não existem jogos e seduções no estado de inconsciência. Existe instinto. O orgasmo é o grito desesperado da liberdade; e aquele cheiro característico de sexo que exala no local desde o início da transa, apenas é perceptível depois do sexo. Às vezes, sequer no final é perceptível.

A paz não tem cor, nem cheiro.

Nagasaki nas minhas entranhas.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Bar do Jaques

O sono é um dos caçadores mais virtuosos e o sonho é o seu meio de tortura predileto. Na cama, molhando o lençol com o suor infectado de toxinas. O sono me agoniza o dia inteiro e o auge do seu sadismo é me proibir de lembrar os meus sonhos nefastos. Acho que morri duas vezes hoje: quando deitei e quando sonhei. Nesse momento alguém quebrou a vidraça do quarto com uma pedra. Escuto ao longe o grunhido quase insonoro:

- Ei cara! Vamos, já são quase 10 horas.

Quase 10 horas. Deitei-me ainda não eram 5 horas da manhã. E agora já são quase 10 da noite. O sono e o despertar são irmãos siameses. Um enforca a vítima até que ela tenha um colapso e desmaie por toda eternidade; o outro é o anfitrião que recebe sua vítima sem cerimônias, com facadas cirúrgicas por toda a cabeça.

Ressuscito após um dia.


Imagino Jesus Cristo ressuscitando após três dias.

Sinto pena de Jesus.

- Ei cara, você está aí? Você está nos atrasando.

- Estou me calçando.

Essa é a nossa noite. Vamos tocar em um bar movimentado. Foram duas semanas de ensaios. Apenas preciso achar minha gaita. Calço os sapatos, a sola suja de barro. Às vezes, para mim, apenas sair por aí e sujar a sola dos sapatos de barro, molhar a barra das calças, rasgar as mangas da camisa em algum arbusto espinhento, caçar um lobo na floresta, é a solução. Mas eu não sou tão bom, e essa noite é a nossa noite. Temos um show e os moleques estão esperando por mim.

Tranquei a porta. Mãos ao corrimão.

- Olá, cara.

O vizinho do meu quarto. É engraçado como seu olho direito é sempre três vezes maior que o esquerdo. É engraçado como toda a sujeira daquela espelunca se reúne no corrimão. Os moleques, já impacientes, se apressam a me ver.

- O que estava fazendo? Precisamos passar o som.

Eu não preciso passar som nenhum. Eu toco gaita e apenas preciso de um microfone sem microfonia. Alberto, o garçom do bar onde vamos tocar, já providenciou esse microfone; então estou pronto para o nosso show.

- Essa é a nossa oportunidade. O bar é bacana, alguns produtores sempre aparecem por lá nas sextas-feiras. Podemos sair de lá com alguma conversa marcada.

Quem disse isso foi Marques, o guitarrista da nossa banda de blues. Marques tinha habilidades para tocar guitarra. O triste era perceber sua semelhança com um robô ao tocar blues. Solos previsíveis. Tudo bem, eu não sou um gaitista virtuoso. E tocar com aqueles caras me fazia bem. Ter uma banda significa conhecer algumas pessoas, ter alguns lugares para tomar uma cerveja, alguém para arranjar uma erva, ter algumas meninas de vez em quando. Em resumo: ter uma vida adolescente aparentemente normal. Eu preciso disso.

O bar do Jaques sempre fora movimentado nos fins de semana. Alberto, o garçom, sempre selecionava bandas capazes de fazer uma apresentação minimamente razoável para tocar no bar. É o sonho de qualquer banda iniciante da cidade tocar no bar do Jaques, mesmo a única garantia que se tinha ao tocar no Jaques era ganhar uma caixa de cerveja ao final da apresentação. É claro que tendo grana, é possível dormir com alguma prostituta da casa em um dos quartos que ficava no andar de cima do bar. Antes mesmo de chegar já dava para sentir aquele velho cheiro de sexo. Essa é a nossa primeira apresentação no bar do Jaques. Nossa quinta apresentação.

terça-feira, 17 de março de 2009

Contida Liberdade

Interminavelmente, uma mudança aguda
Dentro da minha contida liberdade
Felicidade
Provou não ser imprópria ou fajuta
Ela caminha na minha direção
Eu caminho sobre alguma estação

Dobrando novas avenidas sem entender
Quantas serão precisas para aprender?
Dentro da minha contida liberdade
Felicidade
Provou não ser imprópria ou vagabunda

Tenho fogo caminhando em minhas mãos
Não é preciso provar que não passa de armação
Felicidade
Você me prometeu construir verdades

Não passa de uma noite sentado no telhado
É tudo imaginação, é tudo pensamento
Espero o frio da noite me secar do molhado
Para voltar a dormir no meu quarto.

sábado, 14 de março de 2009

Refúgio

Não quero fazer você sentir alegria
Tenho a lhe oferecer bem mais que felicidade
Se eu a convidasse para um passeio, você iria?

Vamos navegar nessa barca por toda eternidade
Não sinta medo desse frio profundo
Esse lugar é uma outra realidade
Venha, vamos navegar por esse novo mundo

O paraíso dos sonhos é o nosso abrigo
Aqui não há problemas ou tabus, nada existe
Esse lugar é o meu refúgio e é seu amigo
Um lugar livre de religiões
Onde o nosso pensamento consiste.

quarta-feira, 11 de março de 2009

II Epílogo: A Viagem

Um bom gole daquele líquido azulado e gelado para me aliviar das tensões, por momentos cronologicamente minúsculos, enfaticamente eternizados naquela parada. A cronologia perde o bom senso diante daquele homem chamado Acusador. Outro bom gole daquele veneno azul e gelado, para que eu pudesse apreciar a agonia de uma noite inteira e sentir o término da aflição com o nascente do sol.

Naquele momento da viagem eu já não mais queria sentir a luz brilhante do sol exacerbando os meus olhos. Mais tarde, eu aprendi que essa mesma luz se traduz como um início que jaz o fim. As luzes soam delírios.

Tudo se passava pela minha mente: a partida, a queda, a generosidade, a partilha, a viagem. Cada quesito desse citado é um capítulo da minha história. Cito a viagem agora, pois a cronologia perde o bom senso diante daquele homem chamado Acusador.

Lembro quando aquele veículo intenso e denso embarcou; já havia homens embarcados. Era apenas a minha vez de subir, sentar-me próximo à janela e olhar a paisagem selvagem que aquela viagem me proporcionaria. Selvagem é o melhor adjetivo para aquela viagem única. Naquele ônibus não era preciso ceder lugar a velhos, grávidas ou aleijados, pois todos tinham o direito de sentar-se à janela, com o direito sublime de ver toda a paisagem daquela viagem selvagem. Todos ali viviam com seus próprios recursos. Todos tinham o recurso de fazer aquela viagem, bastaria querer.

O ônibus acelerou. Todos calados durante a viagem, todos flutuando em ideias. Como seria chegar lá? Há tanto tempo sonhava com isso, sempre intrigado, questionando todas as fantasias. E o que vejo? Flores vermelhas! É totalmente fantasioso... É real. Eu presenciei o imaginável que eu questionava. Havia homens e mulheres e deformados a bordo, eu era apenas mais um. Apenas mais um. Como era real, todos eram apenas mais um. Como era real!

A estrada, contraditoriamente como dita nos livros, não era uma descida, embora houvesse sim descidas. Entretanto, havia subidas e curvas, e sempre que eu olhava para a janela, eu via flores, em sua maioria vermelhas; mas às vezes via amarelas, azuis, roxas. O chão era verde. A paisagem, no contexto, era colorida, como o chapéu do motorista. Ele sempre estava sorrindo, mesmo mantendo sua expressão séria. Todos permaneceram calados durante toda a sua viagem. Vários pararam antes de mim. O mais nítido é que cada vez que o motorista parava o ônibus e dizia o nome de quem deveria descer, os olhos dos outros passageiros brilhavam. Todos estavam embriagados com aquela viagem.

Tomei outro gole daquela bebida azul e gelada.

Sempre houve tolos que jamais foram perturbados por não darem-se conta de suas próprias tolices. Eu nunca saberei dizer até quando o mesmo tolo estará afundando nesse poço miserável. O vento dançava lá fora. Naquele mundo os elementos pareciam ser jovens.

Pela primeira e última vez o motorista falou algo além dos nomes dos passageiros que haviam chegado ao fim da linha da sua viagem: “todos dançam ao lado de fora, essa sempre foi a regra”.

domingo, 8 de março de 2009

Olha para Cá


O cheiro doce da infância,
Os cabelos que esvoaçam ao vento.
Se me deu esperança,
Mas eu permaneci parado, atento.
Com vontade de ser tocado pelos seus dedos,
E dentro de mim, sentindo medo
De ser encarado por aquele olhar meigo.

E se ela é tão linda e eu tão feio,
O pessimista diria que não há meio.
Mas mesmo eu, que não sou interesseiro,
Tenho meus motivos, de qualquer jeito.

E não há nada a fazer que eu não tenha feito,
Só quero um pedaço do inteiro,
E experimentar, de olhos fechados, um beijo,
Que anotei num pedaço de papel que vou lhe entregar,
Sugerindo que você olhe para cá.

sexta-feira, 6 de março de 2009

I Epílogo: O Trato

Primeira linha do Tratado sobre o Trato: o trato aguça.

Segunda linha: o trato desperta.

"Pois bem, meu caro, sei que veio das mais longes terras para falar comigo; afinal, moro nas terras mais distantes. Sente-se, camarada. Quer uma donzela? Não? Não aceito a recusa de um bom vinho. Eis o sangue de Cristo. Bafore um pouco o cachimbo.".

Terceira linha: o trato seduz.

"É claro que cada um vive com seus próprios recursos. Eu sou sensível o bastante para perceber que você se esconde sob o seu manto, mas à noite você desaba suas fraquezas no travesseiro. Sua lágrima é a única fonte de água para regar o seu jardim.".

Ele, enigmático, continua:

"O cachimbo está bom? Bem, eu gostaria muito contar a minha história. Na minha versão, é claro. Mas seria falta de delicadeza contigo; você veio até mim para eu lhe ajudar. Se sente melhor agora?".

Quarta linha sobre o trato: o trato é poético:

"A primeira, digamos, percepção que o senhor deve ter é a de que a sua vida é uma sinfonia. Existe um maestro, que ainda não é você. Você ser o maestro faz parte do nosso acordo; o que eu quero que o senhor entenda agora é que você deve deixar as flautas flutuarem sobre a sua alma, e os violinos a violarem. Essa é a parte mais importante."

Quinta linha: o trato é um caçador:

"Uma vez um miserável disse a outro, gargalhando de embriaguez: 'você está furioso? Oh.. Você é apenas mais um rato engaiolado'. Esse miserável entendeu o trato. Eu quero que o senhor pense sobre isso. Deixarei você sozinho.".

Sexta linha sobre o trato: O trato liberta.

"Pois vejo que o senhor ainda está aqui. Uma última frase e você entenderá o trato: 'luzes soam delírios.'"

O viajante diz: "senhor, o verdadeiro trato não é libertino."

O Sábio sorri sereno.

Sétima linha do Tratado sobre o Trato: o trato se firma.

terça-feira, 3 de março de 2009

Simpatia

Tenho a atenção dessa simpatia como não tinha antes
Posso algo com essa simpatia, ainda descubro
Se no passado éramos apenas figurantes
Hoje somos aquilo que sonhávamos para o futuro

Presenciando essa simpatia, meus sonhos refletem você
Agora que você olha nos meus olhos, sou mais do mesmo
Presenciando sua simpatia, eu posso explodir e viver
Sem tantos animais em volta procurando me deixar preso

Vivendo essa simpatia, prometo ser realidade
Posso algo com essa simpatia, ainda descubro
Um grão de areia que se perde sobre a verdade
Transformando-se naquilo que sonhávamos para o futuro

Os papéis montam e demonstram o que pode acontecer
Deixando flutuar tudo aquilo que eu já sentia
E é tudo isso aqui escrito somente para você
Ainda descubro que posso algo com essa simpatia