quinta-feira, 19 de março de 2009

Bar do Jaques

O sono é um dos caçadores mais virtuosos e o sonho é o seu meio de tortura predileto. Na cama, molhando o lençol com o suor infectado de toxinas. O sono me agoniza o dia inteiro e o auge do seu sadismo é me proibir de lembrar os meus sonhos nefastos. Acho que morri duas vezes hoje: quando deitei e quando sonhei. Nesse momento alguém quebrou a vidraça do quarto com uma pedra. Escuto ao longe o grunhido quase insonoro:

- Ei cara! Vamos, já são quase 10 horas.

Quase 10 horas. Deitei-me ainda não eram 5 horas da manhã. E agora já são quase 10 da noite. O sono e o despertar são irmãos siameses. Um enforca a vítima até que ela tenha um colapso e desmaie por toda eternidade; o outro é o anfitrião que recebe sua vítima sem cerimônias, com facadas cirúrgicas por toda a cabeça.

Ressuscito após um dia.


Imagino Jesus Cristo ressuscitando após três dias.

Sinto pena de Jesus.

- Ei cara, você está aí? Você está nos atrasando.

- Estou me calçando.

Essa é a nossa noite. Vamos tocar em um bar movimentado. Foram duas semanas de ensaios. Apenas preciso achar minha gaita. Calço os sapatos, a sola suja de barro. Às vezes, para mim, apenas sair por aí e sujar a sola dos sapatos de barro, molhar a barra das calças, rasgar as mangas da camisa em algum arbusto espinhento, caçar um lobo na floresta, é a solução. Mas eu não sou tão bom, e essa noite é a nossa noite. Temos um show e os moleques estão esperando por mim.

Tranquei a porta. Mãos ao corrimão.

- Olá, cara.

O vizinho do meu quarto. É engraçado como seu olho direito é sempre três vezes maior que o esquerdo. É engraçado como toda a sujeira daquela espelunca se reúne no corrimão. Os moleques, já impacientes, se apressam a me ver.

- O que estava fazendo? Precisamos passar o som.

Eu não preciso passar som nenhum. Eu toco gaita e apenas preciso de um microfone sem microfonia. Alberto, o garçom do bar onde vamos tocar, já providenciou esse microfone; então estou pronto para o nosso show.

- Essa é a nossa oportunidade. O bar é bacana, alguns produtores sempre aparecem por lá nas sextas-feiras. Podemos sair de lá com alguma conversa marcada.

Quem disse isso foi Marques, o guitarrista da nossa banda de blues. Marques tinha habilidades para tocar guitarra. O triste era perceber sua semelhança com um robô ao tocar blues. Solos previsíveis. Tudo bem, eu não sou um gaitista virtuoso. E tocar com aqueles caras me fazia bem. Ter uma banda significa conhecer algumas pessoas, ter alguns lugares para tomar uma cerveja, alguém para arranjar uma erva, ter algumas meninas de vez em quando. Em resumo: ter uma vida adolescente aparentemente normal. Eu preciso disso.

O bar do Jaques sempre fora movimentado nos fins de semana. Alberto, o garçom, sempre selecionava bandas capazes de fazer uma apresentação minimamente razoável para tocar no bar. É o sonho de qualquer banda iniciante da cidade tocar no bar do Jaques, mesmo a única garantia que se tinha ao tocar no Jaques era ganhar uma caixa de cerveja ao final da apresentação. É claro que tendo grana, é possível dormir com alguma prostituta da casa em um dos quartos que ficava no andar de cima do bar. Antes mesmo de chegar já dava para sentir aquele velho cheiro de sexo. Essa é a nossa primeira apresentação no bar do Jaques. Nossa quinta apresentação.

3 comentários:

Anônimo disse...

"Bar do Jaques" é um conto que retrata a vida noturna de um músico em uma banda de blues. O protagonista narra sua experiência com o sono, a rotina de ensaios e a expectativa para uma apresentação no famoso bar de Jaques.

O conto começa com uma reflexão sobre o sono como um "caçador virtuoso" e os sonhos como meio de tortura. O protagonista descreve a agonia de acordar sem lembrar dos sonhos, sentindo-se como se tivesse morrido duas vezes. Essa introdução cria uma atmosfera de desconforto e inquietação.

O enredo se desenvolve com o protagonista sendo despertado por um amigo para uma apresentação no bar do Jaques. Ele reluta em levantar-se, sentindo-se exausto, mas finalmente se prepara para sair. O narrador reflete sobre sua vida na banda de blues, suas expectativas para a noite e a importância do evento para eles. Há também uma breve descrição dos outros membros da banda, como o guitarrista Marques.

Ao chegar ao bar do Jaques, o protagonista descreve a atmosfera do local e suas peculiaridades, como a presença de produtores em algumas noites e a possibilidade de ganhar uma caixa de cerveja como pagamento pela apresentação. Ele menciona também a possibilidade de conseguir serviços sexuais em troca de dinheiro.

O conto aborda temas como a luta contra o sono, a busca por reconhecimento na música e a tentativa de levar uma vida normal apesar das dificuldades. A narrativa transmite uma sensação de desencanto e resignação, mas também de determinação e esperança.

Anônimo disse...

O conto "Bar do Jaques" parece ser influenciado por diversas fontes, tanto literárias quanto culturais. Aqui estão algumas possíveis influências:

Literatura Existencialista: A reflexão sobre a vida noturna, a luta contra o sono e a sensação de desencanto com a vida podem ser traços característicos da literatura existencialista, que explora temas como a alienação, a angústia e a busca por significado em um mundo aparentemente absurdo.

Música Blues: A ambientação no cenário de uma banda de blues e a descrição da música como uma forma de escape e expressão emocional são claramente influenciadas pela cultura do blues. A referência à gaita, à guitarra e à busca por reconhecimento em um bar famoso para apresentações de blues são exemplos disso.

Realismo Urbano: A descrição detalhada do ambiente noturno, do bar sujo e dos personagens marginais pode ser associada ao realismo urbano, um estilo literário que retrata a vida nas cidades de forma crua e direta, muitas vezes enfatizando os aspectos sombrios e decadentes da sociedade.

Cinema Noir: Alguns elementos do conto, como a atmosfera de desesperança e a presença de personagens ambíguos e moralmente ambíguos, podem ser reminiscentes do cinema noir, um gênero cinematográfico conhecido por seus enredos complexos e suas representações sombrias da vida urbana.

Influências Pessoais do Autor: É possível que o autor tenha sido influenciado por suas próprias experiências e observações da vida noturna e da cena musical, bem como por suas reflexões sobre temas como o sono, os sonhos e a busca por significado na vida cotidiana.

Essas são apenas algumas possíveis influências para o conto "Bar do Jaques", e é provável que haja outras fontes que tenham contribuído para a sua criação.

Anônimo disse...

"Bar do Jaques" é um conto que mergulha nas nuances da vida noturna de um músico de blues, explorando temas como a luta contra o sono, a busca por reconhecimento e a sensação de desencanto com a vida. A narrativa cria uma atmosfera densa e melancólica, transmitindo a sensação de desespero e resignação do protagonista diante das dificuldades da vida.

A linguagem é rica em detalhes e imagens vívidas, o que contribui para a construção do ambiente e dos personagens. A descrição do bar do Jaques e dos outros membros da banda cria uma sensação de realismo e autenticidade, tornando fácil para o leitor se imergir na história.

No entanto, o conto poderia se beneficiar de um desenvolvimento mais profundo dos personagens e de suas motivações. Embora o protagonista reflita sobre sua vida e suas aspirações, suas emoções e dilemas internos poderiam ser explorados com mais profundidade para criar uma conexão mais forte com o leitor.

Além disso, o conto poderia explorar de forma mais explícita as questões sociais e existenciais que aborda, como a alienação, a busca por significado e a desigualdade social. Isso poderia enriquecer ainda mais a narrativa e dar-lhe uma dimensão mais universal e impactante.

Em resumo, "Bar do Jaques" é um conto envolvente que oferece uma visão fascinante da vida noturna de um músico de blues, mas que poderia se beneficiar de um aprofundamento dos personagens e das questões que aborda.