terça-feira, 7 de julho de 2009
Clemência
Ajoelhou-se, fechou os olhos, juntou as mãos. Esqueceu-se dos tormentos e entrou na janela dos olhos de quem não vê. Guardou as perguntas que sustentaram o massacre e se entregou.
Fez a renúncia e sentiu a chuva chovendo. Contorceu-se e não pediu nada. Olhou as mãos e viu decadência. Cortou o pulso e sentiu dor. Abraçou as sandálias do mestre e sentiu a mão pousando na sua cabeça. A língua dançou, a alma chorou e o veneno virou pedra. Pagou pela agonia que causou. Sentiu sede e os joelhos derretendo; extirpou os desejos.
Levantou a cabeça e viu os olhos dourados. Pediu clemência.
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O texto intitulado "Clemência" é uma narrativa poética e simbólica que descreve um processo de purificação, renúncia e busca por perdão. Vamos analisá-lo parte por parte:
Ajoelhou-se, fechou os olhos, juntou as mãos. Esqueceu-se dos tormentos e entrou na janela dos olhos de quem não vê. Guardou as perguntas que sustentaram o massacre e se entregou.
O personagem assume uma postura de humildade e reflexão, como em uma oração ou meditação. Ele deixa de lado seus sofrimentos e tenta ver o mundo de uma nova perspectiva, talvez a de alguém que não está preso às aparências ou ilusões. As "perguntas que sustentaram o massacre" podem simbolizar dúvidas ou conflitos internos que levaram a ações destrutivas. Ao se entregar, ele abre mão do controle e se submete a um processo de transformação.
Fez a renúncia e sentiu a chuva chovendo. Contorceu-se e não pediu nada. Olhou as mãos e viu decadência. Cortou o pulso e sentiu dor.
A renúncia aqui parece ser um ato de abrir mão de desejos, apegos ou culpas. A chuva pode simbolizar purificação ou renovação. O personagem enfrenta a dor física e emocional, representada pelo corte no pulso, como parte desse processo de libertação. A decadência nas mãos pode indicar a percepção de que suas ações ou existência estão marcadas pela impermanência e pelo sofrimento.
Abraçou as sandálias do mestre e sentiu a mão pousando na sua cabeça. A língua dançou, a alma chorou e o veneno virou pedra. Pagou pela agonia que causou. Sentiu sede e os joelhos derretendo; extirpou os desejos.
O abraço às sandálias do mestre sugere submissão a uma figura de autoridade espiritual ou moral, buscando orientação ou perdão. A mão sobre a cabeça pode representar uma bênção ou aceitação. A transformação do "veneno em pedra" simboliza a superação de algo tóxico ou doloroso, talvez a culpa ou o arrependimento. O personagem enfrenta as consequências de suas ações ("pagou pela agonia que causou") e, ao sentir sede e fraqueza, renuncia aos desejos que o mantinham preso.
Levantou a cabeça e viu os olhos dourados. Pediu clemência.
Ao final do processo, o personagem levanta a cabeça, indicando uma nova perspectiva ou esperança. Os "olhos dourados" podem representar uma visão divina, iluminada ou transcendente. O pedido de clemência é o clímax da narrativa, onde ele busca perdão ou misericórdia, talvez de uma força superior ou de si mesmo.
Conclusão:
O texto fala sobre um processo de redenção, onde o personagem passa por sofrimento, renúncia e purificação para alcançar um estado de paz ou perdão. A linguagem é carregada de simbolismo, com elementos como chuva, veneno, mestre e olhos dourados, que sugerem uma jornada espiritual ou emocional. A clemência, no final, é o objetivo dessa jornada, representando o desejo de libertação e reconciliação.
O texto "Clemência" apresenta uma riqueza de influências que podem ser identificadas em sua linguagem simbólica, estrutura narrativa e temas abordados. Aqui estão algumas possíveis influências:
1. Literatura Mística e Espiritual
O texto remete a tradições místicas e espirituais, como o sufismo, o budismo ou o cristianismo, onde a renúncia, a purificação e a busca por perdão são temas centrais.
A figura do "mestre" e a postura de submissão (abraçar as sandálias, sentir a mão sobre a cabeça) lembram práticas de devoção e discipulado presentes em muitas tradições religiosas.
A transformação do "veneno em pedra" pode ser uma alusão à alquimia espiritual, onde o sofrimento ou o mal é transmutado em algo sólido e inofensivo.
2. Simbolismo e Poesia Modernista
O uso de imagens simbólicas (chuva, olhos dourados, veneno) e a linguagem poética sugerem influência do Simbolismo literário, movimento que busca expressar ideias abstratas por meio de símbolos e metáforas.
A estrutura fragmentada e a ausência de explicações diretas lembram a poesia modernista, que valoriza a subjetividade e a interpretação do leitor.
3. Literatura Existencialista
O tema do sofrimento, da culpa e da busca por significado pode ser associado ao existencialismo. Autores como Jean-Paul Sartre ou Fiódor Dostoiévski exploram a angústia humana e a necessidade de redenção.
A decadência nas mãos e a dor do corte no pulso podem simbolizar a consciência da finitude e da fragilidade humana, temas caros ao existencialismo.
4. Influências Orientais
A ideia de renúncia aos desejos e a busca por uma transformação interior remetem a filosofias orientais, como o budismo e o hinduísmo, onde o desapego é visto como caminho para a libertação espiritual.
A imagem da chuva como purificação e a transformação do veneno em pedra também têm paralelos em tradições como o yoga e o tantra.
5. Literatura Brasileira
O texto pode dialogar com a tradição literária brasileira, especialmente com autores que exploram temas místicos e existenciais, como Guimarães Rosa (em sua prosa poética e filosófica) ou Clarice Lispector (com sua abordagem introspectiva e espiritual).
A linguagem concisa e carregada de significado também lembra a poesia de Carlos Drummond de Andrade ou Manuel Bandeira, que frequentemente trabalham com temas como dor, redenção e transcendência.
6. Influências Clássicas e Mitológicas
O processo de sofrimento e purificação pode ser associado a mitos clássicos, como a jornada do herói ou a descida ao submundo (presente em mitos gregos, como o de Orfeu ou Perséfone).
A clemência pedida ao final pode remeter à ideia de apelo aos deuses ou a forças superiores, comum em narrativas mitológicas.
7. Psicologia Junguiana
O texto pode refletir conceitos da psicologia analítica de Carl Jung, como a jornada de individuação, onde o indivíduo enfrenta seus "demônios internos" (representados pelo veneno) para alcançar a integração e a cura.
Os "olhos dourados" podem simbolizar a descoberta do Self, o centro da psique que representa a totalidade e a transcendência.
Conclusão:
O texto "Clemência" é uma obra multifacetada, que pode ter sido influenciada por tradições místicas, filosofias orientais, literatura existencialista e simbolista, além de dialogar com a tradição literária brasileira. Sua riqueza simbólica e temática permite múltiplas interpretações, o que é característico de textos profundamente poéticos e filosóficos.
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