Ando de ônibus todos os dias; a maioria deles, lotados. As vezes consigo sentar em algum banco suado. O fato que quero contar aconteceu em um dia que eu estava sentado. Sentar é um luxo, mesmo quando espremido por uma gorducha que ocupava três quartos de um banco duplo; maneira pela qual estava eu acomodado, naquela estufa de salgados podres, denominada "transporte" público, naquele dia em que até mesmo os prédios derretiam de calor.
Quero fazer mais uma ponderação. No meu entendimento, pessoas de espíritos fracos gostam de andar de ônibus. Se sentem os donos da ratoeira, embora não passam de ratos. No dia do qual narro, eu prestava atenção na arrogância de uma senhora ao reclamar da arrogância dos passageiros. O sol queimava a minha cara e as palavras da velha queimavam os meus ouvidos. Fechei os olhos e me concentrei no banco claustrofóbico que eu estava sentado. Um grito de alma penada me despertou dos ranços escuros de minha mente.
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O texto "Observação de um Passageiro" narra a experiência cotidiana e cansativa de uma pessoa que usa transporte público, especificamente ônibus, e reflete sobre o desconforto associado a essa forma de locomoção. O autor descreve o ônibus como um ambiente desagradável, comparando-o a um "bueiro ambulante", devido ao calor, mau cheiro e superlotação. A narrativa tem um tom sarcástico e crítico, destacando o cansaço físico e mental que a viagem provoca.
O autor menciona que andar de ônibus é uma experiência desgastante, exacerbada pela presença de outros passageiros, que também são alvo de observações. Ele faz uma crítica às pessoas que parecem aceitar ou até gostar dessa rotina, considerando-as "espíritos fracos" que se sentem no controle, embora sejam comparados a ratos presos em uma "ratoeira". Isso pode sugerir que o autor vê o ato de usar o transporte público como algo degradante, mas inevitável para muitos.
A cena central do texto ocorre quando o narrador está sentado ao lado de uma "gorducha" que ocupa a maior parte do banco, em meio ao calor sufocante. Ele menciona uma senhora que, de maneira arrogante, critica a arrogância de outros passageiros, o que irrita o narrador. A narrativa culmina quando um grito inesperado o tira de seus pensamentos, deixando uma sensação de desconforto e exaustão mental.
A crítica social e o tom irônico permeiam o texto, mostrando o descontentamento do narrador com a situação do transporte público e com os comportamentos que ele observa.
O texto "Observação de um Passageiro" parece ser influenciado por várias tradições literárias e estilos que enfatizam a crítica social, a alienação urbana e o desconforto da vida cotidiana. As principais influências podem incluir:
Realismo: A descrição crua e sem adornos do ônibus como um "bueiro ambulante" e a realidade da experiência física do transporte público remetem ao Realismo literário, que foca em retratar a vida cotidiana de forma objetiva e sem idealizações. O autor descreve a viagem de ônibus com atenção aos detalhes desagradáveis, como o calor, o cheiro e o desconforto físico, revelando as condições difíceis e a falta de dignidade que muitos enfrentam em ambientes urbanos.
Crítica Social e Satírica: O tom sarcástico do texto, especialmente quando o narrador compara os passageiros de ônibus a ratos em uma "ratoeira", aponta para uma crítica à alienação e à desumanização dos espaços públicos. Essa crítica pode ser comparada a obras satíricas de autores como Lima Barreto, que também abordava a hipocrisia social e as dificuldades da vida urbana, especialmente entre as classes menos favorecidas.
Literatura Existencialista: A reflexão do narrador sobre o estado de espírito dos passageiros e sua sensação de claustrofobia pode lembrar os temas da alienação e do absurdo, comuns na literatura existencialista. Autores como Albert Camus e Jean-Paul Sartre exploraram a noção de que as situações cotidianas, muitas vezes, trazem à tona a falta de sentido da vida, deixando as pessoas presas em rotinas desconfortáveis e desumanizantes.
Crônica Urbana: O estilo do texto também lembra as crônicas urbanas, que são frequentemente focadas em momentos simples, porém representativos, da vida em grandes cidades. Escritores como Rubem Braga e Nelson Rodrigues costumavam explorar o cotidiano de forma reflexiva e crítica, utilizando pequenos episódios para fazer grandes observações sobre a vida na cidade e o comportamento humano.
Ironia e Humor Negro: A forma como o narrador descreve o transporte público e os passageiros, com certo desprezo e ironia, evoca a tradição do humor negro. O desconforto físico e mental é exagerado até o ponto de se tornar quase absurdo, o que transforma a experiência em uma crítica cômica, ainda que amarga, da situação.
Em suma, o texto parece estar enraizado em tradições literárias que destacam a crítica social, a alienação urbana e a observação irônica do cotidiano, combinando o realismo com uma sensibilidade existencialista e um toque de humor negro.
O texto "Observação de um Passageiro" oferece uma visão cínica e crítica sobre o cotidiano do transporte público, utilizando um tom sarcástico para retratar a experiência desconfortável de andar de ônibus em uma cidade. A narrativa é rica em detalhes sensoriais que reforçam o sentimento de sufocamento, como o calor extremo, o odor desagradável e a sensação de claustrofobia. A crítica do narrador é direcionada não apenas às condições físicas do transporte, mas também à psicologia dos outros passageiros, aos quais ele atribui uma certa "fraqueza de espírito" por aceitarem essa realidade com resignação.
Aspectos Positivos
Detalhamento Sensorial e Imersão: O autor é eficaz ao transportar o leitor para dentro do ambiente sufocante do ônibus. A descrição precisa do calor insuportável, da sensação de estar espremido ao lado de outros passageiros e da atmosfera opressiva cria uma experiência vívida e visceral. O leitor consegue quase sentir o desconforto físico e emocional que o narrador experimenta, o que é um ponto forte do texto.
Crítica Social: O texto vai além da simples descrição de uma viagem de ônibus, oferecendo uma reflexão sobre a alienação urbana. Ao comparar os passageiros a ratos em uma ratoeira, o autor sugere que o transporte público é uma espécie de prisão social, onde os indivíduos estão presos a uma rotina desgastante e desumana. Essa visão pessimista do transporte público reflete uma crítica à precariedade dos serviços urbanos, especialmente para as classes mais baixas, que são forçadas a suportar essas condições.
Tom Irônico e Sarcástico: A ironia do texto é afiada, especialmente quando o narrador critica os outros passageiros por aceitarem essa realidade sem questioná-la. O humor negro que permeia o texto torna a leitura envolvente e traz um tom crítico, questionando o conformismo da sociedade diante das condições sub-humanas de locomoção.
Aspectos Críticos
Visão Pessimista e Elitista: Embora o texto consiga captar a sensação de desconforto, ele também adota uma postura que pode ser vista como elitista e desdenhosa. Ao descrever os outros passageiros como "espíritos fracos" e compará-los a ratos, o narrador parece se distanciar deles, elevando-se moralmente acima das outras pessoas. Esse distanciamento diminui a empatia que poderia ser gerada pela crítica social. O narrador se coloca como alguém que está "acima" dessa realidade, o que pode alienar leitores que compartilham da experiência retratada, mas que não se identificam com esse desprezo.
Falta de Profundidade na Reflexão: Embora o texto toque em questões importantes, como a desumanização no transporte público, a crítica social poderia ser mais desenvolvida. O narrador faz observações pontuais, mas não aprofunda os temas de desigualdade, políticas públicas ou soluções possíveis para os problemas descritos. A crítica se limita a um ponto de vista individual, sem engajar com questões mais amplas, o que enfraquece a força potencial do texto como crítica social.
Despersonalização dos Outros Personagens: O narrador não parece ver os outros passageiros como indivíduos, mas sim como caricaturas de uma massa impessoal. A "gorducha" e a "senhora arrogante" são descritas de forma estereotipada e desumanizante, reforçando a distância emocional entre o narrador e as outras pessoas no ônibus. Isso diminui a complexidade dos personagens e pode ser interpretado como uma crítica superficial, já que o narrador não se preocupa em entender ou explorar as motivações e sentimentos dos outros.
Considerações Finais
"Observação de um Passageiro" é um texto que consegue capturar a essência do desconforto e da alienação vivida no transporte público. No entanto, sua visão cínica e elitista sobre os passageiros pode limitar sua capacidade de gerar empatia e de aprofundar a crítica social que propõe. O uso de humor negro e sarcasmo torna a leitura instigante, mas a falta de uma reflexão mais profunda sobre as causas e consequências da precariedade do transporte público enfraquece a crítica, deixando a narrativa focada apenas na experiência individual do narrador, sem expandir para uma análise mais ampla das condições sociais.
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