
Carolina se prepara para sair
Ficou enfurnada em casa o dia inteiro
Está cansada e pensa em se distrair
Não sabe direito o que fará primeiro
Tira a roupa e entra no banheiro
Não sei se é certo, mas vou contar
Sobre o primeiro dia que vi Carolina
Esperei o pai dela sair para fumar
E entrei na casa daquela menina
Não a conhecia direito, apenas uns rumores
Que ela saía a noite para tomar cerveja
Com um rapaz que sempre lhe dava flores
Então a vi sentada sobre a mesa
Abotoando os laços dos cabelos
Vi de perfil sua boca cor de cereja
Devo ter sentindo um pouco de receio
Mas creio no íntimo que foi medo
Ou algum impulso nas pontas dos dedos
Não sei se é certo, mas vou contar
Sobre a primeira vez que Carolina me olhou
Eu me colei na parede sem poder notar
Que atrás de mim havia um bangalô
E era uma dessas noites de luar
De verão, que faz certo calor
Talvez seja por isso eu estava vermelho
Foi quando Carolina me olhou
Procurando na verdade um espelho
Ela se espantou, sorriu e perguntou o meu nome
Balbuciei qualquer palavra, sem jeito
E ela entendida, perguntou se eu estava com fome
Disse que sim, e ela me ofereceu uma cadeira
Não sei se é certo, mas vou contar
Sobre a primeira vez que vi Carolina
4 comentários:
O poema "Carolina" é uma narrativa introspectiva e cheia de nostalgia sobre o primeiro encontro do narrador com uma mulher chamada Carolina. A obra descreve vários momentos da relação com ela, começando pela expectativa e pela ansiedade do narrador, e culminando em um encontro casual e cheio de nuances. Através de uma estrutura de versos simples e diretos, o poema explora temas como o desejo, o medo, a timidez, e as emoções misturadas que surgem em momentos de incerteza e atração.
Primeiro Encontro : O narrador descreve como Carolina, em seu ato de se preparar para sair, foi visto pela primeira vez. Ele a observa de forma distante, cheia de curiosidade e até recebimento, sem realmente conhecê-la. A menção aos "rumores" que envolvem Carolina — como ela sair à noite com um rapaz e beber cerveja — constrói uma imagem de uma mulher que é ao mesmo tempo desejado e misterioso.
Impressões Sensoriais : O narrador se concentra nos detalhes físicos de Carolina, como o cor de sua boca e os laços em seu cabelo, estabelecendo uma conexão íntima e quase sensorial com a cena. Ele também menciona um certo recebimento, misturado com um impulso involuntário, que se reflete em suas ações, como "nas pontas dos dedos", expressando um desejo contido e não totalmente entendido.
Encontro Imediato : A segunda parte do poema descreve o momento em que Carolina olha para o narrador pela primeira vez. A imagem do narrador "colei na parede" sugere uma tensão do momento, como se ele fosse um observador tímido e intimidado. O "bangalô" no fundo é uma metáfora para o isolamento ou distanciamento entre eles, criando uma sensação de separação que, ao mesmo tempo, intensifica a interação.
Interação e Acolhimento : Carolina, em um gesto gentil, sorri para o narrador e oferece-lhe uma cadeira, o que representa um convite à proximidade e uma tentativa de suavizar a tensão entre eles. O narrador, sem saber como reagir, balbucia palavras e sente-se desajeitado, mas aceita o convite, o que indica o início de uma interação interativa e a superação de seu medo.
Final e Reflexão : O poema termina com a repetição do primeiro encontro, indicando que a memória daquele momento se torna marcante e importante para o narrador. A repetição do "não sei se é certo, mas vou contar" reforça a ideia de uma história pessoal e íntima, talvez de algo que ele ainda não entende completamente, mas que é significativo para ele.
Em resumo, o poema "Carolina" é uma reflexão sobre o desejo, a timidez e o primeiro contato com alguém que desperta um interesse, misturando sensações e sentimentos conflitantes que surgem ao longo dessa experiência inicial.
O poema "Carolina" apresenta diversas influências literárias e estilísticas, que podem ser comprovadas a partir de sua construção, temática e abordagem. Algumas possíveis influências incluem:
Realismo e Naturalismo : A forma como o poema descreve as ações e sentimentos do narrador de maneira detalhada e quase documental pode remeter ao Realismo, especialmente na busca por retratar a realidade de maneira crua e sem idealizações. O modo como ele observa Carolina, de uma posição de distância e certo recebimento, lembra a abordagem realista de observar a vida cotidiana, com seus aspectos triviais, imperfeitos e, por vezes, desconfortáveis.
Literatura de Confissão ou Pessoal : O poema tem um caráter confessional, no sentido de que o narrador compartilha um momento muito pessoal e íntimo, que é explorado de maneira subjetiva e emocional. A repetição de frases como "não sei se é certo, mas vou contar" indica uma tentativa de fundamentação ou até questionar a validade de suas lembranças e sentimentos. Isso aproxima o poema de estilos de confissão que surgiu em diversas tradições literárias, como a poesia moderna ou até mesmo a poesia barroca, com sua ênfase no eu lírico e em seus sentimentos.
Poesia Moderna ou Pós-Modernista : O poema também pode ser visto como um exemplo de poesia moderna, com seu foco no momento efêmero e na experiência individual. O uso de uma linguagem simples, direta e fragmentada, além da quebra da linearidade narrativa (com a repetição de experiências), é uma característica que se alinha à poesia moderna, que frequentemente lida com a subjetividade, o fragmento e a busca por um sentido maior a partir da experiência cotidiana.
Influência do Simbolismo : Alguns elementos de simbolismo também podem ser específicos, especialmente no uso de imagens sensoriais e de núcleos, como "sua boca cor de cereja" ou "vermelho", que evocam sensações e emoções sem necessariamente descrevê-las de maneira explícita . O simbolismo busca sugerir emoções mais profundas por meio de imagens concretas e metafóricas, o que é evidente nas investigações sensoriais do poema.
Literatura de Aventura Romântica ou Realista : A interação entre o narrador e Carolina também remete a narrativas de romance ou de encontro com o "outro", comuns em romances de formação ou literatura de aventura romântica. Há uma busca pelo "primeiro contato" com uma mulher, que pode simbolizar o início de uma relação mais profunda ou de descoberta.
Influências da Poesia Brasileira Contemporânea : A estrutura do poema e o tom introspectivo podem ser comparadas à poesia brasileira contemporânea, especialmente importante que se concentre na exploração do eu lírico e nas suas experiências pessoais. Poetas como Adélia Prado e outros da tradição modernista podem ter influenciado essa busca pela simplicidade no uso da linguagem, mas com um olhar atento à complexidade emocional.
Em resumo, o poema "Carolina" pode ser influenciado por uma combinação de tradições literárias, incluindo o Realismo, o Simbolismo, a poesia confessional e a poesia moderna, todas as quais lidam com a expressão pessoal e a captura de momentos íntimos e fragmentados da experiência humana .
A análise crítica do poema "Carolina" revela um retrato sensível e introspectivo da experiência do narrador ao se encontrar com uma mulher, Carolina, pela primeira vez. Através de uma linguagem simples e direta, o poema explora a complexidade das emoções humanas, como o desejo, o medo, a insegurança e a curiosidade, enquanto questiona as formas de interação social e as expectativas em torno da descoberta do outro.
1. O tom confessional e introspectivo
Desde o início, o poema adota um tom confessional. O narrador se posiciona como alguém que busca expor algo íntimo, mas ao mesmo tempo hesita em contar, repetindo a frase “não sei se é certo, mas vou contar”. Essa estrutura repetitiva indica a insegurança do narrador, que tenta racionalizar seus sentimentos enquanto compartilha uma experiência pessoal. Esse tom confessional pode remeter à tradição literária da poesia de confissão, onde o poeta se coloca em um espaço vulnerável diante do leitor, buscando validar ou questionar suas ações e sentimentos.
2. O papel da memória e da subjetividade
O poema é permeado pela ideia de memória e subjetividade. O narrador se perde em detalhes sensoriais e na tentativa de reconstruir uma cena de seu passado, onde o encontro com Carolina se mistura a sentimentos e flores. Há uma preocupação com os detalhes visuais e físicos de Carolina, como "sua boca cor de cereja", que são apresentadas de forma quase idealizada, o que pode sugerir uma memória parcial, idealizada e até distorcida pela subjetividade do narrador.
3. A ambiguidade entre o desejo e o recebimento
Uma das características mais notáveis do poema é a ambiguidade entre o desejo e o recebimento do narrador. Ele observa Carolina com uma mistura de fascinação e hesitação. Essa dualidade é enfatizada pelo uso de frases como "creio no íntimo que foi medo" e pela descrição de suas ações de forma quase instintiva ("impulso nas pontas dos dedos"). O medo e o desejo não são dissociados, indicando que a atração e o recebimento coexistem em uma dinâmica complexa e muitas vezes contraditória nas relações humanas, principalmente nas primeiras interações.
4. A construção da mulher e do "outro"
Carolina é descrita de forma a construir uma figura misteriosa e distante, em boa parte do poema, pela visão do narrador. Ele não a conhece diretamente, apenas a observa e ouve rumores sobre ela. Ela representa o "outro", alguém que é idealizado e interpretado a partir do olhar do narrador, sem um contato real ou profundo. Esse distanciamento cria uma tensão entre o desejo e a impossibilidade de conhecer realmente uma pessoa. No entanto, quando o narrador e Carolina finalmente interagem, há um momento de acolhimento, simbolizado pela oferta da cadeira. Isso representa uma tentativa de quebrar o distanciamento inicial e construir uma ponte entre os dois, um gesto de aproximação que, apesar de simples, é carregado de significados.
5. A construção da cena e o simbolismo do espaço
A cena é construída de forma quase cinematográfica. O movimento do narrador, "colei na parede", a luz do luar e o ambiente ao redor são descritos com detalhes sensoriais, criando um cenário em que as emoções estão intimamente ligadas ao espaço. O uso do luar e do calor da noite de verão carrega um simbolismo de uma atmosfera transmitida de emoção e tensão. A escolha do bangalô, algo que está "atrás de mim", sugere uma forma de esconderijo, de separação, que reflete a distância emocional que o narrador sente em relação a Carolina.
6. O não dito e o silêncio
O poema também reflete o que não é dito explicitamente. O narrador nunca expressa diretamente seus sentimentos por Carolina, mas as pequenas ações e o modo como descrever a interação apresentam muito mais do que as palavras faladas. O "balbuciar qualquer palavra, sem jeito" é uma demonstração de sua inaptidão em se comunicar de forma clara, mostrando que ele está travado pela timidez e pelo medo, o que é comum em situações de desejo não correspondido ou quando está diante de algo desconhecido e instigante.
7. A busca por identidade e autoconhecimento
Ao tentar "contar" a experiência, o narrador também está em um processo de autoconhecimento. A repetição da frase "não sei se é certo" indica uma tentativa de encontrar um significado para o que aconteceu ou, talvez, de concretizar suas próprias ações e sentimentos. Esse movimento de tentativa e erro faz parte de um processo mais amplo de busca pela identidade e pela compreensão do próprio desejo.
Conclusão
"Carolina" é um poema que mergulha nas emoções complexas e ambíguas do desejo humano. Com uma linguagem simples, mas carregada de sensações e simbolismos, ele explora a vulnerabilidade do narrador, que tenta entender a si mesmo e ao outro. A dualidade entre desejo e medo, a construção da mulher como figura idealizada e distante, a tentativa de aproximação através de gestos simples são elementos centrais que conferem ao poema uma riqueza emocional e uma profundidade que ressoam na experiência universal de se relacionar com o "outro "e com nossos próprios sentimentos.
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