segunda-feira, 29 de junho de 2009

Drama


É indescritivelmente quente. Um suco gelado cairia bem. Ainda mais sentado numa so1bra. Só de pensar, a boca umedeceu. E assim aconteceu. Pediu um suco e de pronto entregou a nota. Logo veio um suco de acerola, que descido pela garganta, fez a cabeça doer, de tão gelado. Mesmo assim, ficou satisfeito; estava regando o deserto do seu bucho.
 
Bebeu meio litro de suco numa única golada. Quando terminou lambeu os lábios, mas foi interrompido por uma abelha que pousou na ponta do nariz. Afanou com as mãos; o inseto circulou e voltou a pousar na ponta do nariz. Deu um tapa no nariz; os olhos umedeceram e a abelha voltou a pousar no mesmo lugar. Fungou. Não adiantou. Fungou de novo, agora com mais força; o inseto voou para cima e a secreção escorreu para baixo. Uma jovem bela assistia o drama. Até então sorria, mas ao ver a última cena, fez cara de asco.

Duas gotas de suor correram da testa do fadigado. Novamente a abelha estava pousada na ponta do nariz. Permaneceu imóvel, no intuito do inseto perder a graça e abandonar a brincadeira. A abelha começou a andar pelo nariz. Sacudiu a cabeça e em frações de segundos aquele animal demoníaco pousou novamente no nariz. Sentiu calor. A camisa pregou-lhe nas costas. Os sapatos sufocaram os pés.

Estava com a boca entreaberta quando a abelha pousou nos lábios. Num gesto ligeiro abocanhou-a. Ela se debateu nas bochechas por alguns instantes. Parou. Sentiu-se aliviado. Foi interrompido pela ferroada na língua. Instintivamente abriu a boca e a abelha partiu. Afogou o gemido de dor e notou que havia inchado. Mas pensou consigo mesmo que abelhas vão embora depois de agredir. Foi interrompido por zunidos no ouvido. Instintivamente tapou o ouvido. Com receio de outra picada, deixou a abelha sair; que caprichosamente pousou na ponta do nariz.

Engoliu um amargo de aflição. Lembrou-se dos caipiras que usavam insetos voadores como desculpa para justificar o vício do fumo. Sendo assim, acendeu um cigarro. O bicho voou e pousou no cigarro. Tragou com força, na esperança de queimá-la. Quando ia, voltou para o nariz. Continuou fumando e a abelha saiu. Terminou o cigarro e ela voltou.

Balançava a cabeça e ela saia; parava e ela voltava. Sentiu vontade de chorar. Em pensamentos, reclamou da vida pobre que levava, do fracasso intelectual, por não ter família, por duvidar de Deus. Sentiu vontade de morrer, quando enfim uma lágrima escorreu do olho.

Fechou o semblante, e com a astúcia de uma cascavel escorregou o braço para o bolso da calça. E com a fúria de uma águia, levou o isqueiro até o nariz. Ouviu o tilintar agoniante da abelha se queimando. Sentiu o ardor agudo no nariz. Mas ao menos matara o inseto. Olhou o relógio; era hora de voltar ao serviço. Atravessou a rua e foi.

Um companheiro surgiu e quando o olhou, sorriu, dizendo:

-  Bastava me dizer, meu chapa. Não era preciso fazer bico no semáforo. Mas já que quis, nariz de palhaço é vermelho, não roxo.

Abaixou a cabeça para achar uma pedra e tirar o sorriso daquele desgraçado. Ao invés disso, pegou as ferramentas no chão e começou a trabalhar. O outro ainda ria, chamando um colega para ver aquele nariz.

Ao menos matara a abelha, pensou.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Correntes


As vezes há um círculo que me prende
Tranca tudo que tenho em mim mesmo
Apenas sinto que é algo que tende
A me jogar a esmo

Sinto que sou aleijado de entranhas
Incapaz de compreender aquilo que não entendo
Mas vejo sensibilidade em coisas estranhas
Só não sei mais o que estou querendo

Minha cabeça me limita
Meu pensamento é minha cadeia

Celas, grades
Selam a paz
E a liberdade?

domingo, 21 de junho de 2009

Enfeites

O vento é gélido. As cortinas esvoaçam como os cabelos da madame que se prepara para o baile. A selvageria é a mesma: a da madame em ser aceita e desejada esta noite e a do vento em fazer seu serviço de coadjuvante sinistro e aterrorizador, também esta noite. As chamas das velas se cedem ao charme animalesco do vento; a consumação acompanha os orgasmos múltiplos de anseios da madame para esta noite.

Mas esta noite só queremos um pouco de música para os elementos poder dançar. Helmo afinou as duas cordas mais finas do violão, lançou dois ou três acordes que mesclaram ao vento. Tomou um gole vistoso da bebida anil.

[...]

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Carolina


Carolina se prepara para sair
Ficou enfurnada em casa o dia inteiro
Está cansada e pensa em se distrair
Não sabe direito o que fará primeiro
Tira a roupa e entra no banheiro
Não sei se é certo, mas vou contar
Sobre o primeiro dia que vi Carolina
Esperei o pai dela sair para fumar
E entrei na casa daquela menina
Não a conhecia direito, apenas uns rumores
Que ela saía a noite para tomar cerveja
Com um rapaz que sempre lhe dava flores
Então a vi sentada sobre a mesa
Abotoando os laços dos cabelos
Vi de perfil sua boca cor de cereja
Devo ter sentindo um pouco de receio
Mas creio no íntimo que foi medo
Ou algum impulso nas pontas dos dedos
Não sei se é certo, mas vou contar
Sobre a primeira vez que Carolina me olhou
Eu me colei na parede sem poder notar
Que atrás de mim havia um bangalô
E era uma dessas noites de luar
De verão, que faz certo calor
Talvez seja por isso eu estava vermelho
Foi quando Carolina me olhou
Procurando na verdade um espelho
Ela se espantou, sorriu e perguntou o meu nome
Balbuciei qualquer palavra, sem jeito
E ela entendida, perguntou se eu estava com fome
Disse que sim, e ela me ofereceu uma cadeira
Não sei se é certo, mas vou contar
Sobre a primeira vez que vi Carolina

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Purificação

O alumínio do sol brilha essa cidade convertida em papelão de rua. O mesmo papelão que os homens descartam sem hesitar. Os mesmos homens que descartam os afetos que a terra entregou.

Hoje eu vi o vento varrendo da cidade tudo isso que os homens têm, mas que as vistas não distinguem. Vi no dedo de um velho um anel de diamante sugando tudo que o vento carregou.

Ele olhou o céu cinza de decepção e sorriu, porque o olho do sol sangrava uma fonte de água límpida, que é para limpar toda água doente que brota no coração dos homens.

A terra engoliu todo o papelão dessa selva de zinco apodrecido no tétano. E tudo que vi em seguida foram borboletas invadindo apartamentos, bares e cinemas.

domingo, 14 de junho de 2009

Quarto Esbranquiçado


No quarto esbranquiçado, cortinas negras, as estações morrem
Os pastos florescem, pavimentos de asfaltos, grudam no chão
E as crianças, quem será que as socorrem?
Cavalos de prata, nascem flores, aonde eles pisam

Cavalgaram sobre minha cabeça
Oh... Agora, outra coisa, esqueça

Tem flores na minha cabeça
E isso é tudo.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Porcos


Meu pai me disse certa vez: “Os porcos comem tudo que você imagina”. Soou aquele silêncio reflexivo por instantes. “Até bosta?” Questionei. “Sim, até bosta”. “Nossa, porco então... é um animal tão porco. Ouvi a resposta do meu pai: “por isso porco é conhecido por porco”.

Meu pai, hoje um velho, fora um lenhador desde a juventude. Lenhava árvores de dimensões inexistentes nos tempos singulares de hoje. Trabalhava sozinho na construção de uma canoa que ele mesmo desenhara, escaldando troncos numa matinha fechada perto da fazendo que vivia.

Em meio aos dias plurais, houve um especialmente particular. O dia ardia no extremo colosso do calor tropical, e o cansaço sugava o velho de cima para baixo. A fadiga o instigava a jogar o machado no chão e sentar. Punhos dormentes, pernas bambas e consciência bêbada. Olhou sua sombra e notou que ainda estava no primeiro quarto do dia bravo. Parou para tomar o chá de coca e olhou o sol severo. Neste instante, ouviu um sussurro: “caia desgraçado”, acompanhado de um baque nos pulmões.

Respirou fundo, inclinou o corpo para frente, tosse rouca e seca; segurou o machado com firmeza e estalou duas, três, cinco vezes. Ouviu um sorriso tímido. Ignorou e continuou a labuta. Uma rolinha pousou na sua sombra e bicou o chão. O velho parou, olhou para trás e viu o pássaro sair voando.

Percebeu as mãos trêmulas, ignorou, e derrubou a árvore. Continuou o serviço. Viu a mesma rolinha estática em outra árvore e sua boca salivou. Saliva quente. Ignorou e trabalhou brutalmente por horas consecutivas, ouvindo de vez ou outra um sorriso infantil, progredindo para o sarcástico.

O machado caiu da mão. Tentou pegar e não conseguiu; o corpo inteiro tremia. Olhou o sol severo e resolveu parar para refeição. Saiu da matinha se arrastando e sentou no banco ao lado da pocilga. Não conseguia comer. Com dificuldades acendeu o fumo e tragou. Começou a transpirar um suor denso e sentiu o mundo girar. Ouviu sons estrebuchados, estranhos. Ouviu os porcos grunhidos no meio da alucinação. Olhou para trás e viu os suínos comerem sua sombra. Os olhos semicerrados se esbugalharam. Um grito agudo esgueirou-se. Soou um silêncio reflexivo por instantes. O velho suspirou e se sentiu saudável.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Desinibida


Voltas pelo parque, a garota anda desinibida
Conversando Paul Sartre, sobre os limites da vida
Estranha os objetos estranhos
São só ovelhas do rebanho
Observa a roda gigante
Apostando aonde irá parar
Lembra de quando foi amante
E sente vontade de descansar

Talvez seja cedo, mas é cedo que mistifica
Não existe medo, só uma vontade desinibida
Um passo a mais não machucará
Apenas a fará lembrar
Dos muros do seu parque
Que fez questão de escalar
E mostrar a sua arte

Voltas pelo parque, a garota anda desinibida

sábado, 6 de junho de 2009

Viagem Urbana


Onze e meia da manhã, hora do almoço. Arroz, feijão, carne, rúcula, tomate e suco forte de tamarindo. Como rápido, já estou atrasado. Banho gelado de alguns minutos, dentes escovados em instantes. Visto a roupa e parto com a mochila de guerra nas costas. Vinte minutos de caminhada sob o calor escaldante do sol a pino do cerrado brasileiro, na estação da seca. Seca está minha boca, como ameixa.

O ônibus está cheio, mas no fundo há espaços. Encolho o corpo e caminho atropelando pernas; "Passageiros idiotas que não sabem andar de ônibus". Viagem longa, tão longa quanto a espera no ponto.

Chego ao centro e no céu o sol brilha, soberano. Há de se fazer uns 40 graus neste instante. O ponto é de zinco, e mesmo na sombra acredito estar em uma estufa ao ar livre. O golpe de misericórdia é saber que pagamos por esse sofrimento.

A linha 018 para e eu entro. Agora sim o verdadeiro espetáculo começa. Consigo contar 32 pessoas em pé. O ônibus está lotado e não para de entrar gente. Não se distingue mais o calor solar do calor humano. Todos se estorricam; ambiente abafado. O motorista, atrasado e apressado, faz curvas fechadas em altas velocidades. Nos debatemos como leitões em caçambas de caminhões. Lembro novamente que todos pagam por essa viagem; me desperto dos pensamentos ao ver chegando, no ponto que o motorista acabara de parar, um rapaz que estuda na mesma classe que eu. Pobre coitado, perderá a aula.

A viagem segue, minha barba me pinica; minha camiseta está pregada nas costas. Não se respira ar naquele ambiente, apenas calor; e o odor fétido do alho que uma velha carrega.

Enfim, chego ao fim da minha viagem. Com dificuldade desço do ônibus, arrastando comigo a mochila de guerra. Logo atrás tem outro ônibus, este vazio, que para para descer o rapaz que estuda comigo. É duro saber que a alguns metros atrás de você não havia sofrimento. É difícil aceitar sofrer sozinho. Mas não penso muito, preciso ir ao banheiro, o tamarindo fizera efeito. Além de tudo, mais essa.

Subo as escadas, em direção à sala de aula; aliviado. Todo mal já passara; perdi metade da aula com essa guerra chamada pegar ônibus, mas ainda há tempo para aprender alguma coisa.

Abro a porta e todos procuram o professor em mim, enquanto procuro o professor na sala.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Elas e Eu


Então elas chegam. A de lá com uma expressão de lágrimas recém caídas; de um rosto que propõe uma feição diferente da que a impressão causa. Mas fatos são sempre minuciosos. De nada vale a generalidade das impressões.

Elas sentam, em um único acento. Fatos são fatos; e eu me lembro, orgulhoso, da minha ideia anterior. Uma no colo da outra. Todos olham desconfiados. Em instantes a desconfiança se torna espanto. “O que é isso?” “Não é possível”; é o que consigo ouvir dos cochichos. Já os veteranos daquele ambiente não se espantam mais; já se acostumaram. Apenas o novo causa espanto. Depois que deixa de ser novidade, se torna rotina. E depois tédio. Acredito que é assim, pelo que já vivi. Tédio corrói.

E é o que sinto agora: um belo tédio desafinado.

Faz calor e eu olho, observando. Lembro-me de quando tomei o ônibus para vir até aqui. Até os transeuntes dos coletivos são os mesmos; nos mesmos horários.

Volto da minha divagação; a primeira passa a mão nas costas, por dentro da blusa, da outra. “O que é isso?” “Sutiã.” “Aquele que lhe dei?” “Não...” “Para, amor!” Amor? Alguns olham, outros não. Mas todos fingiram não ouvir. Inclusive eu.

As duas são belas, e eu encaro a segunda, a feminina. Apenas para irritar a primeira. Procuro o vinco dos ciumentos no rosto dela. Elas mudam de cadeira; se sentam de costas para mim.

“Você não faz parte deste mundo”. É, não faço. Mas temos gostos em comum.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Cotidiano


Um milhão de pessoas cruzam por você todos os dias
E lhe assassina com o mesmo olhar lombriguento
E você é apenas mais um maníaco dessa mania
Apenas mais um homem de terra e de cimento

É como aquela velha brincadeira de assassinar
As crianças jogam com um piscar
Mas você pisca um milhão de vezes todos os dias
Pisca até mesmo para a mulher da sua vida