sábado, 30 de maio de 2009

Blues da Loucura


Ser ético significa processar pelas vísceras
E quando o poeta esmaga o processo
O que sobra é o resto

O resto do previsível
Jamais será risível
O que eu digo para você, querida
É que a loucura é o exceto

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O Profissional


Você acha que é pelo dinheiro. Ter dinheiro é muito bom, com ele eu posso comprar tudo. Com ele eu me sinto um senhor feudal rodeado de servos. Ser senhor nesse século é melhor do que séculos atrás e sabe por quê? Por que os servos de hoje bajulam, além de tudo. Bajulação é algo que apenas o dinheiro compra. Com certeza eu não seria feliz sem o dinheiro; sem minha piscina aos domingos à tarde, sem minha sauna às quintas à noite, sem minhas bebidas finas. Eu se quer seria generoso, se não fosse o dinheiro.

Mas você pode me perguntar sobre a fama. Bem, é claro que eu não faço o meu trabalho apenas pelo dinheiro. Eu também adoro a fama. É uma necessidade ter os meus 15 minutos de fama. Nesse mundo no qual vivemos é inútil sonhar com um autorretrato que envelheça por nós. Não! Podemos ser capas de revistas. As revistas elegem, em suas capas, os novos príncipes do mundo contemporâneo. É o sucesso que me entrega os convites para participações especiais nos cinemas. Para ser sincero com você, é o meu sucesso que seduz as atrizes glamorosas que eu transo. Sou um grande colecionador de transas com mulheres famosas. Isso, é claro, me envaidece. Transar, graças ao dinheiro, com ninfetas fantásticas; gastar milhares em joias legítimas com essas vagabundas é bom. É algo apenas para os poderosos. Mas foder a coelhinha do mês ou a musa da novela das nove é algo apenas para os magníficos.

Isso tudo que eu disse até agora pode ser o suficiente para responder o porquê eu trabalhar com o que trabalho. O luxo, a vaidade, e até mesmo a arrogância, só não são tão sórdidos para aqueles que não possuem. Mas irei lhe perguntar: você gosta de apostas? De jogar? O jogo é a brincadeira dos riscos. Apostar todo o dinheiro batalhado, o sustento de uma família em uma partida, em um cavalo, em uma simples carta. O desejo do perigo, do tudo ou nada, fulmina em nossas entranhas. Eu adoro, sou viciado nisso! Diz se não é gostoso olhar os olhos arregalados de espanto das pessoas em volta? A confiança amedronta as pessoas, e eu me sinto exuberante assim.

Contar-lhe-ei um segredo agora, o porquê, verdadeiro, que escolhi essa profissão. Melhor do que jogar com dados ou cartas é jogar com a vida das pessoas. Perder não passa a ser apenas perder dinheiro, torna-se destruir vidas. No tribunal há uma pessoa que é o centro das atenções e eu sou o único que aposto ao seu favor; sou o único que faz apostas na probabilidade desvalorizada. A arte do meu ofício é nadar contra a maré. Defendo assassinos natos e jogo tão bem que no final da partida ele não é mais culpado. Torna-se vítima do sistema; o mesmo sistema que tenho como vítima preferida.
Eu sou um advogado. Eu nunca perco. Sou um jogador vibrante que embriaga a sociedade com uma jogada esplêndida, isto é, com uma retórica esplêndida.

É claro que tudo isso é bobagem. Tornei-me advogado pela justiça. Ofereço-me para defender aquele é acusado porque acredito que as pessoas nascem boas. Os meios que fazem as pessoas tomar ações impensadas. Essa pessoa, frágil que é, não precisa, como não deve, ser privada. É necessário meios para que ela se inclua na sociedade, contribuindo com a melhoria do bem estar comum. Acredito que todos que sentam no banco dos réus são inocentes até que se provem o contrário. O meu trabalho é apenas materializar esse conceito, e demonstrar claramente para a sociedade.

O ser humano é essencialmente bom.

Publique uma única palavra de tudo que acabei de lhe dizer e lhe mostrarei o homem da sociedade.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Navegador Confuso


Adorador das suas coxas
Minha cabeça desliza feito parafuso
Sua libido é diferente das outras
Sua cama me faz navegar para outro mundo

Sonhos perdidos, com faces estranhas
Eu digo o meu nome ao seu ouvido
Com afinco monto suas entranhas
Sou iludido, enquanto você, um anjo perdido

terça-feira, 19 de maio de 2009

Observação de um Passageiro


Ônibus é sempre interessante e cansativo ao mesmo tempo. O que o torna mais interessante que cansativo é a disposição do passageiro. Bem certo que quanto maior for o espírito do usuário, menor serão as chances de haver disposição para andar de ônibus. Afinal, ônibus é um bueiro ambulante: abafado, apertado e fedorento.

Ando de ônibus todos os dias; a maioria deles, lotados. As vezes consigo sentar em algum banco suado. O fato que quero contar aconteceu em um dia que eu estava sentado. Sentar é um luxo, mesmo quando espremido por uma gorducha que ocupava três quartos de um banco duplo; maneira pela qual estava eu acomodado, naquela estufa de salgados podres, denominada "transporte" público, naquele dia em que até mesmo os prédios derretiam de calor.

Quero fazer mais uma ponderação. No meu entendimento, pessoas de espíritos fracos gostam de andar de ônibus. Se sentem os donos da ratoeira, embora não passam de ratos. No dia do qual narro, eu prestava atenção na arrogância de uma senhora ao reclamar da arrogância dos passageiros. O sol queimava a minha cara e as palavras da velha queimavam os meus ouvidos. Fechei os olhos e me concentrei no banco claustrofóbico que eu estava sentado. Um grito de alma penada me despertou dos ranços escuros de minha mente.

domingo, 17 de maio de 2009

Imagens ao Pé da Cadeira


As vezes você quer algo de qualquer jeito
E então cria fantasmas aos seus meios
Buscando sempre alcançar algum efeito
Para acabar com as dúvidas que lhe atormenta

Você se acomoda na primeira cadeira
Procura nos bolsos o seu isqueiro
Olha os outros e ela da mesma maneira
Buscando em seus olhos algum letreiro
Que a faça sentir a única e primeira

Você procura um buraco num pequeno espaço
Evita sons surdos que rangem num único minuto
Mas não cansa de olhar os seus braços
E imaginar cenas de um breve futuro

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Poção Estranha


- Aceita um drinque?

- Não posso deixar alguém a sós com um drinque, não é mesmo?

- Eu entenderia como uma desfeita

- Pois bem, o que tem para me oferecer?

- Uma poção... Estranha.

E então eu bebi aquilo que mata tudo que está dentro de mim. Ela é uma bruxa, cheia de problemas, com uma melancolia elétrica. Ela desce fervendo de paixão por mim. Por mim.

- O que você vai fazer?

- Sobre?

Ela se apega em mim, como se eu fosse uma cola. Sou um anestésico. Desconfio que ela tenha vontade de se grudar em mim. Sinto os raios de sol invadindo minha garganta.

- Esqueci de perguntar se posso falar sobre esse assunto contigo.

- Claro que pode.

- Pois bem, semana passada ela me contou algumas coisas. O que você pretende?

- Vamos viajar semana que vem. Tomaremos um cruzeiro. Quando voltarmos, decidiremos.

Ela é um mar conturbado e eu sou um barco pequeno, sem controle. Ela encenou uma peça na última vez, a fim de ignorar qualquer problema que pudéssemos ter. Que tipo de tolo sou eu? Bom, eu perdi as estribeiras.

- Quantos meses?

- Dois e meio, acredito.

- Então é certo.

- Naturalmente.

E quem diria que uma vida inocente destruiria outra. E destruindo a inocência, se destruiria o corpo da perversão. Alguém diria que o amor se resumiria a destruição?

- O que você acha que devo fazer?

- Dê a ela uma poção. Uma poção... Estranha.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Ironia da Despedida


Fico admirado como quão irônico o Destino se revela ser em momentos sensíveis.

Hoje, ele, em seus eventuais sermões, dizendo-me coisas repetidas que me fazem vagar em outros pensamentos, soltou-me a seguinte frase: “essa garota, ela logo enjoará de você”.

Algumas horas antes, em outro recinto, não ouvindo sermões, mas sim lamentações, ela, isto é, aquela garota a qual ele se referia, me disse: “acho que até demorou muito, mas você sabe como eu sou e, bem, é, eu enjoei de você sim; mas não quero que você sinta raiva de mim. Apenas aceite”.

O que aprendi; e aceito. Não há mesmo outra alternativa; é o escárnio do Destino. Um ser sádico que gosta de dançar, como um bêbado alegre. Sua música preferida é o choro dos homens.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Teatro

A lua que caminha sobre a rua
É a mesma que nas noites flutua
Aquela que esconde os pecados
Nos momentos em que nada é errado
Então Cecília estacionou o carro
Pegou da bolsa e acendeu um cigarro

Um homem manco e caolho
Caminhando do outro lado da esquina
Achou que sua desgraça era infinita
Se achou no direito de machucar uma outra
E perguntou a si mesmo: por que não uma menina?

Uma que seja rica
E que seja linda

Magno, o esquisito, tirou um canivete da cintura
Olhou o carro e atravessou a rua
Bateu com as mãos leves na janela
E não olhou a expressão da cara dela
Apenas pensou:

Uma que seja rica
E que seja linda

Eu não quero terminar este conto
Não do ângulo do meu amigo esquisito
Porque se aquele manco não está agora um pouco tonto
Ele vai ficar quando souber o que ela pensa sobre isto

Há algo que você quer ouvir?
Bem...

A lua que caminha sobre a rua
É a mesma que nas noites flutua
Aquela que esconde os pecados
Nos momentos em que nada é errado

Cecília abriu os vidros
E convidou o meu amigo
Para um passeio.
E quando ele a tocou os seios
Aquele caolho não era mais eu.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Pássaros


Um pássaro voa e saboreia a liberdade nas alturas, nos ares remotos; desvinculado da noção de tempo e espaço.

O pássaro flutua. Ingênuo, porém soberano. E quando sente fome, bate as asas. E foge de tudo, até não enxergar mais nada. Nada além da plenitude dos ventos, que se confunde com a sua.

Portanto eu lhe digo que o pássaro é cego.

E eu, nesta cela, acendo um cigarro, bebo alguma coisa; talvez assim eu roubo alguma plenitude do ar. Está tudo em minha volta, basta eu deixar a morbidez de lado e fazer. Mas sempre há algo que me amputa.

São tudo cinzas e eu pareço preferir me retalhar à me prevenir.

Talvez seja sono.

Talvez...

domingo, 3 de maio de 2009

Manhã Singela


Assopre tudo que há em você para dentro de mim
Há vários mundos vagos lá fora lhe esperando
Talvez precisamos apenas segurar nossas mãos assim
Fechar os olhos e seguir por aí caminhando
Hoje estou bem porque sei que estamos longe do fim
Existem dias que me repito, que me pego sempre olhando
Para livros de histórias velhas, vestidas de cetim

Se há um feito sem tal efeito, surge um defeito
E aí me dizem que sua perfeição me desagrada
Mas não penso muito sobre tudo enquanto não deito
Gosto mesmo de olhar para o nada e esperar uma fada
Que clama nos meus gestos, tímida, sem jeito
Por uma visita, uma palavra bem dita, uma palavra bem falada
Se não faço nada, é por ignorância, sou imperfeito